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24 de fevereiro, de 2024 | 14:00

Opinião: Morte e vida em 2023

David Romeros *

O ano de 2023 passou. Foi um ano bom. No campo profissional foi um ano de colheita, de usufruir os benefícios planejados e plantados anteriormente. De ceder espaço e celebrar as parcerias – tão essenciais da minha carreira.

No pessoal foi sobretudo um ano de início e consolidação de hábitos mais saudáveis. Hábitos que um homem de 46 anos já passou da hora de desenvolver. Hábitos que eu poderia nunca retomar, mas que ao reativá-los, tornei a minha vida um pouco mais interessante.

Foi um ano em que falei muito sobre autocuidado. Falei para muitas pessoas. Foram muitas palestras em diversos locais abordando o cuidado como o fundamento da vida. Gosto de falar de vida. Da VIDA com letras maiúsculas. Sobre existir de fato, estar presente neste mundo.

E apesar de 2023 ter sido um ano cheio de vida – e talvez justamente por isso – a grande aprendizagem do ano foi com a morte. Reconhecer o papel importante das pequenas e grandes perdas, talvez tenha sido o que mais me impactou como um todo. Foi a reflexão mais preciosa. A que está comigo até agora pedindo para vir à tona, para ser expressa e publicizada.

Vou tentar exemplificar. Das conquistas mais importantes do ano, posso elencar as mais significativas: passei a me exercitar regularmente e voltei a ter a leitura como hábito. Duas coisas que desejava há muito tempo.

Pensem comigo: como uma pessoa arruma tempo para incluir em sua rotina umas 8 horas semanais para o exercício físico e outras 6 para a leitura?

Definitivamente não foi “trabalhando enquanto os outros estão dormindo”. Aliás, o contrário disso. Foi tentar aprender com a morte, com a perda. Foi compreender melhor que para fazer essas coisas, precisarei abrir mão de outras.

Um dos livros lidos nestes últimos anos, foi “a morte é um dia que vale à pena viver” da Ana Cláudia Quintana Arantes. Com esse livro e com as aulas das colegas Lauriene Outeiro e Malu Silveira na Pós que coordeno, tenho aprendido algo valioso: a morte abre espaço para coisas novas. Perdas abrem espaço para ganhos.

“Sempre há renúncia. Uma escolha sempre deixa algo de fora.
Sempre haverá algo que me escapa a partir do momento
que escolho A, B ou C”


Talvez mais que isso, a ideia de que para realmente viver alguns projetos novos, vou precisar renunciar a algo. Veja, sempre há renúncia. Uma escolha sempre deixa algo de fora. Sempre haverá algo que me escapa a partir do momento que escolho A, B ou C.

Enlutar então é uma arte. Se haver com a morte, é se haver com a vida. São dois lados da mesma moeda. As vezes as conquistas são tão incríveis, que ignoramos o que estamos deixando de lado. Mas sempre excluímos possibilidades quando escolhemos uma.

Tive também algumas perdas difíceis para lidar em 2023. Passei o último dia do ano, sentindo no corpo - literalmente - e pude chorar por uma dessas perdas. O choro ajuda a lidar com a morte - que é o tipo de perda que só nos resta aceitar.

Uma perda não tão difícil, mas muito incômoda para mim foi a escrita. Saí de 2022 com o desejo imenso de escrever em 2023. O ano foi passando, dia a dia, semana a semana, e a vontade continuava lá a me cutucar na cama à noite. Mas passei o ano todo sem escrever um parágrafo sequer...

Isso me doeu um bocado. Porém hoje entendo que houve escolhas e que de alguma forma isso não foi prioridade. Isso me ajuda desfazer a pretensa imagem de que tenho superpoderes... de que irei conseguir fazer tudo. Não vou! Hoje ao escrever isso (2024 começando diferente) estou abrindo mão de algo.

Parece-me que essa consciência aflorou apenas no final do ano. Olhando para as conquistas, eu me vi obrigado a reconhecer as renúncias, seu componente avesso, ignorado, indigesto às vezes, mas fundamental.

Não reconhecer a morte cotidiana nos afasta da vida, pois nos coloca na sensação constante de falta. De derrota frente ao que nos escapa, àquilo que não damos conta, ao que de alguma forma escolhemos não escolher.

Talvez hoje consiga, diante do espelho, me ver mais inteiro. Feito das escolhas realizadas, do que decidi não fazer e do que não dei conta, mesmo desejando muito. Sou feito de vida e morte. Morte e vida a me humanizar.

* Psicólogo clínico e mestre em psicologia pela UFSJ. Professor, palestrante e facilitador de grupos. Membro fundador do NEPFEH - Núcleo em Estudos em Psicologias Existenciais e Humanistas do Vale do Aço/MG e Coordenador da Pós em Psicologia Clínica Existencial e Humanista oferecida pelo NEPSI – Ipatinga-MG

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