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09 de fevereiro, de 2024 | 11:00

Opinião: Perspectivas e desafios para a cannabis medicinal em 2024

Claudia de Lucca Mano *


As discussões, estudos, e pautas sobre a cannabis medicinal tomaram conta do noticiário e das mídias sociais em 2023. Contudo, a pergunta que devemos fazer neste início de ano é: mesmo com todo esse movimento, o que esperar quando se está esperando? A expectativa é, sempre, claro, que os avanços prossigam. Diversos estudos científicos vêm sendo conduzidos para entender o potencial terapêutico das substâncias encontradas na cannabis, bem como traçar o perfil de risco e benefício dessa planta que teria potencial para revolucionar a medicina moderna.

No entanto, o que temos aqui no Brasil são barreiras legislativas e regulatórias, que ainda brecam o progresso nacional da medicina canabinoide. É verdade que avanços aconteceram. Vários municípios e estados incluíram leis que regulamentam o acesso gratuito a cannabis medicinal através do Sistema Único de Saúde. No estado de São Paulo, por exemplo, finalmente foi publicado o Decreto nº 68.233/23, que regulamenta o acesso gratuito a cannabis por meio do SUS, para doenças ali especificadas. Resta agora o governo providenciar canais para aquisição dos produtos, para então iniciar sua efetiva distribuição a população carente. Com isso, espera-se reduzir a imensa judicialização desse tema, pela qual pacientes processam o governo para garantir o direito ao medicamento sem custo.

No Congresso Nacional, por sua vez, está pendente a retomada da análise do Projeto de Lei 399/15, que autoriza o cultivo, extração, manipulação, fabricação, importação e pesquisas com produtos derivados da cannabis. O PL foi aprovado na Câmara em 2021 e deveria ter seguido para o Senado, mas foi obstruído por um recurso que questiona o trâmite simplificado, adotado na pandemia.

No campo da persecução penal, o país aguarda ansioso a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) de repercussão geral, paralisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2023. O processo discute como enquadrar aqueles que forem flagrados com pequenas quantidades de drogas, à luz do art. 28 da Lei de Entorpecentes: como traficantes ou como usuários? A lei já isenta usuários de medidas restritivas de liberdade, e o STF agora é convidado a se debruçar sobre o tema, e pretende criar parâmetros objetivos (quantidades e circunstâncias) para que se faça a correta diferenciação entre uso e tráfico.


Nessa questão, o julgamento assumiu um viés social quando o ministro Alexandre de Moraes proferiu seu voto, destacando as injustiças sociais que hoje condenam pobres, analfabetos e negros como traficantes, enquanto enquadram brancos, escolarizados e com renda mais alta, como meros usuários. O julgamento computa 5 votos a favor da despenalização a 1 contrário (Zanin, recém-empossado como ministro da Suprema Corte). O processo já foi devolvido após pedido vistas do ministro André Mendonça, e agora aguarda data para julgamento, pauta que compete ao atual presidente da Corte, ministro Luis Roberto Barroso.

"O que temos aqui no Brasil são barreiras legislativas e regulatórias, que ainda brecam o progresso nacional da medicina canabinoide"


Outra medida bastante esperada pelo mercado é a revisão, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da RDC 327/19, que criou mecanismo para autorizações sanitárias de produtos de cannabis, mesmo sem estudos clínicos que atestem eficácia e segurança. A norma deveria ter sido revisada em 2023. No entanto, a agência pouco avançou na discussão. O mercado anseia por uma regulamentação inclusiva, especialmente às farmácias de manipulação, que de modo inexplicável foram excluídas da permissão regulatória, sendo o único setor da economia impedido de trabalhar com cannabis, mesmo que sejam estabelecimentos com conhecimento técnico e com ampla versatilidade para operar com ditos produtos.
Segundo interlocutores da própria Anvisa, ainda está pendente a análise de impacto regulatório, para que então um texto de consulta pública possa ser divulgado, abrindo prazo para manifestação dos setores produtivos e da população em geral.

Noutra frente, a própria Anvisa já havia sinalizado conversas com o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento para incluir a cannabis medicinal veterinária no arcabouço legal existente (de produtos sob controle especial da P. 344/98, cuja regulamentação recai sobre a autarquia). A inclusão prometida para o segundo semestre de 2023 ainda não ocorreu. A prescrição por médicos veterinários já ocorre na prática, mas não há uma legislação que garanta a legalidade desta prática, deixando todo o setor de saúde animal a descoberto, sem segurança jurídica.

O ano de 2023 se encerrou frustrando algumas expectativas dos entusiastas da cannabis medicinal, apesar de avanços, como a inclusão do acesso através de SUS em várias cidades e estados brasileiros. A ciência segue evidenciando ao mundo seus benefícios para inúmeros distúrbios e doenças. Para este ano, devemos nos ater à esperança de que o mercado de cannabis seja finalmente regulamentado de forma ampla e inclusiva, e que o Brasil possa ocupar lugar de destaque nas pesquisas, no cultivo e na propagação da medicina canabinoide. Milhares de pessoas aguardam esse movimento da Anvisa, e dos nossos poderes Legislativo e Judiciário.

* Advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann

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