
08 de janeiro, de 2024 | 15:59
Parece história da carochinha...
Nena de Castro *
Acordou, com os primeiros raios de sol. Sentou-se na cama e passando a mão nos cabelos, suspirou profundamente. Tivera um sonho, e nele, alguém lhe falara do destino grandioso que o aguardava, apesar da idade: muito poder e riqueza chegariam às suas mãos. Que sonho lindo, que palavras bonitas, que coisa maravilhosa!
Não se sabe onde termina o sonho e começa o delírio. E de onde vêm os sinais, as palavras que ninguém mais ouve, a loucura. Sei lá, na sua inquietação e incompletude o ser humano consulta os astros, os búzios, as cartas, as linhas das mãos na buena dicha” e mergulha de cabeça nos caminhos iridescentes das madrugadas que encerram os mistérios da noite e permitem agir. Pensou e partiu para a ação: havia que se cavar para chegar ao tesouro que estava escondido debaixo de sua casa. Contratou homens para o serviço. Julgaram-no louco, riram, mas os trabalhadores, muito bem pagos, apareceram. E começaram a cavar. Precisando de mais recursos, vendeu alguns barracos que possuía. E agora dedicava-se, com a ajuda de um amigo, vez que morava sozinho, ao fim do trabalho. Ele punha fé no que fazia: era um ente bom, certamente um anjo que lhe comunicara a boa notícia, dizendo do tesouro destinado a ele, grande quantidade de ouro no seu terreno! Ouro!
E acordado, ele passou a viver o delírio dos que buscam, no frenesi da crença, olhar febril de quem se sabe predestinado aos grandes feitos. Com capricho e precisão, cavara o poço de 40 metros de profundidade no espaço da cozinha. Tudo bem-feito, tudo organizado e limpo, como devia ser.
E drummondianamente, descobrira a pedra que o separava do valioso tesouro que lhe pertencia. Pensou em removê-la com explosivos, nada iria impedir que chegasse ao ouro. Contudo, ao sair do poço, escorregou da cadeirinha e voltou ao fundo. Encontrou a morte. Salomão afirmou que nada de novo existe debaixo do sol. As estações se sucedem, o tempo passa rapidamente, mas coisas inusitadas ainda chegam para nos surpreender. Isso aconteceu em Ipatinga, na semana que passou. Pobre sr. João! Morreu buscando o que achava ser verdade. Dedico-lhe duas estrofes do poema de Mário Sá Carneiro, poeta português contemporâneo de Fernando Pessoa:
QUASE
(Sá Carneiro)
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
Ó grande sonho- ó dor, quase vivido...
E nada mais digo a não ser: descanse em paz, sr. João! Aos meus cinco leitores, saúde e paz!
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Gildázio Garcia Vitor
09 de janeiro, 2024 | 17:57Excelente! Parabéns! Semelhante a Manuel Bandeira, tiraste um poema de uma noticia de jornal.
"João Gostoso era carregador de feira
livre e morava no morro da Babilônia
num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de
Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de
Freitas e morreu afogado".”