14 de dezembro, de 2023 | 12:00

Opinião: O Natal do longínquo ano de 2023

Beto Oliveira *

Em 1930, Keynes previu que em cem anos o avanço tecnológico reduziria a jornada de trabalho a no máximo 15 horas semanais. Um século antes, os socialistas utópicos, anteriores a Marx, também acreditavam que a tecnologia pudesse solucionar as injustiças do trabalho, a fome e a desigualdade social.

Nos anos 1960, o desenho The Jetson retratava um futuro automatizado com carros voadores e civilizações flutuantes. Na década seguinte, John Lennon, mesmo após dizer na canção God, de 1970, que o sonho acabou (The dream is over), não deixou de sonhar e imaginar, em 1971, um mundo sem países e fronteiras, sem religião e sem guerras, com todas as pessoas vivendo suas vidas em paz. No mesmo ano, ele cantava “Então é natal...”, enquanto um coro ao fundo entoava que quem acabou foi a guerra (War is over) e não o sonho.

Com a queda do muro de Berlim, o economista nipo-estadunidense Francis Fukuyama, advogou que a democracia liberal do ocidente seria a forma final de governo da humanidade, o famoso “fim da história”. Mais recentemente, o historiador israelense Yuval Noah Harari anunciou, em “Homo Deus”, de 2015, que estávamos a viver a “Nova Paz”, um período em que a palavra paz ganharia outro significado, representando não apenas a ausência de guerras entre as nações, mas relações diplomáticas em que a guerra não fosse sequer cogitada.

Em 1999, a encenação de um robô vindo do futuro invadiu o programa Xuxa Park e contou aos espectadores como supostamente estávamos vivendo em 2023: “Somos muito felizes. A natureza está em ordem (...). Não há guerras. Os seres humanos se conscientizaram da paz”.

“O mundo vive, segundo o Instituto de Paz de Oslo,
o pior cenário de guerra em 30 anos, com mais de
50 guerras em curso, envolvendo 38 países”


Contrariando as previsões de Keynes e dos socialistas utópicos, convivemos hoje, após a uberização do trabalho, com bike boys chegando a pedalar, segundo pesquisa da Aliança Bike, mais de 50 km diários, 10 horas por dia, 7 dias por semana, para terem um ganho médio de um salário mínimo.

Em que pese avanços tecnológicos como carros autônomos, trem bala e entrega por drones, já em funcionamento na China, a maioria das grandes cidades sofre com problemas de trânsito, sendo Londres, segundo estudo desse ano, a cidade com tráfico mais lento do mundo. No Brasil, o trânsito mais lento são, o de Recife, primeiro lugar, seguido de São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte. Enfim, nada de carros voadores. E o trânsito segue muito lento. E, no lugar de cidades flutuantes, assistimos uma Maceió afundando por conta da mineração da Braskem e países inteiros ameaçados pelo aumento do nível do mar, como é o caso de Tuvalu, que, diante do desaparecimento já em curso, anunciou que irá recriar seu território no Metaverso como forma de preservação de sua memória.

Em vez da ausência de países e religiões imaginada por Lennon, enfrentamos uma crise de refugiados, intensificada, sobretudo, a partir de 2015, e a uma onda de fundamentalismo religioso tanto no Ocidente quanto no Oriente.

Contrariando Fukuyama, a guerra ideológica segue a todo vapor, gerando Trumps, Bolsonaros e Mileis. E a tensão mundial fez, inclusive, aparecer os termos, “Segunda Guerra Fria” ou “Nova Guerra Fria”, já presentes no Wikipédia.

Contrariando Harari, o mundo vive, segundo o Instituto de Paz de Oslo, o pior cenário de guerra em 30 anos, com mais de 50 guerras em curso, envolvendo 38 países. E, claro, o anedótico robô da Xuxa também passou longe de 2023. Apesar da Eco 92, do Protocolo de Quioto, do Acordo de Paris e das COPs, a chapa continua esquentando e a questão climática segue nos apavorando.

É claro que também houve projeções pessimistas que não se confirmaram. E é claro que houve avanços tecnológicos e humanitários ao longo do século. Mas o fato é que comemoraremos o Natal de 2023 bem longe do que poderíamos. E não por falta de sonhos e imaginações, importantes para um mundo melhor, mas por não conseguirmos pôr nossas ferramentas, tecnologias e avanços a serviço de um amplo bem comum.

* Psicólogo e Psicanalista. Mestre em Estudos Psicanalíticos pela UFMG. Coordenador do CEPP (Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço). Autor dos livros “O dia em que conheci Sophia”, “As Cornucópias da Fortuna” e “O Chiste”

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Comentários

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Javé do Outro Lado do Mundo

17 de dezembro, 2023 | 11:06

“Bom texto, o pior dos males é a Religião como ópio do povo (Marx). Depois vem o populismo de políticos corruptos, falsos democratas, que se alinham sempre ao judiciário pra se manterem eternamente no poder. Vide Maduro. Historicamente falando, a revolução industrial iniciada na Inglaterra foi o maior acontecimento dos últimos tempos; a tal de 'mecanização da sociedade' prevista por Newton. Rs”

Gildázio Garcia Vitor

14 de dezembro, 2023 | 13:44

“Texto maravilhoso! Fiz uma "viagem" rápida ao passado através dele. Parabéns!”

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