04 de dezembro, de 2023 | 16:56

Uma história bem tristinha...

Nena de Castro *

A manhã pintou-se de azul. Era uma manhã de poeta, de narciso farsesco, de sonhos e sons ainda que não retumbantes. A manhã se fez brilhante, seu brilho misturando-se aos raios de sol numa dança de amantes com diamantes tirados no Rio das Almas Perdidas. Braços negros como o ébano, fortes como o Leviatã coam as águas, a areia, o limo e as faíscas de luz das pedras desafiam o sol. Um local cheio de minas, de rios, de matas. Também cheio de cobiça dos estrangeiros que nos sugaram o sangue, em saga repleta de covardias e heroísmos. Cabeças, ideias, liberdade! Prisões, degredo, falsidade, maldade. Ouro e diamantes, pedras de estonteante beleza, cobiça infinda...

E assim se fez Minas Gerais, que encheu as burras portuguesas de preciosidades transportadas em navios para além-mar, para as bandas do Minho e do Tejo, brilhando no colo das rainhas e da nobreza enquanto ficávamos nós mais pobres, mais escravizados, mais abandonados à mercê dos ventos e desaventos.

Acabado o ouro, rarearam os diamantes, adiante, temos ferro para o mundo! Mais buracos em nossas costas e encostas, chegaram os ingleses, nosso destino é ser mineiros carregando os trens de minério, que o mundo não pode esperar! E tosquiados, lesados, roubados, explorados, passaram-se os tempos, embarcamos no redemoinho do saci e fomos dar (epa!) em Portugalzinho que nos rejeita, nos xinga, nos apelida de brazucas, porcos, ignaros “invasores do país dos outros”, que devem ser expulsos! Não fizeste igual, meu velho Portugal? Não, fizeste bem pior, mataste nossos primevos habitantes, assolaste-nos com as espadas e nos tirastes o “quinto”, na verdade, o inteiro! Mas o que sei eu? Na manhã pintada de azul por Portinari, sou tudo e nada, sei nada, só sei que o bem-ti-vi canta no pé de flamboyant lilás e quero fugir pra Pasárgada e cozinhar para o rei! Mas se ele for louco e mau e quiser invadir a Guiana, vou pras ruas, panela e colher na mão, no mais lídimo protesto! Chega de colonialismo! E não vovô Portugal, as brasileiras não são putas e creio eu que teu telhado é de vidro! E te ofereço meus versos:

PORTUGAL
Portugal, meu avozinho,
então, estás me estranhando?
Me chamando de invasor,
de porco, sem eira nem beira?
Te esqueceste que invadiste
Mataste, saqueaste, roubaste
Nossas terras, nosso ouro
E diamantes de bons quilates?
E o pau-brasil, riqueza tal nunca se viu
Nem se verá, pois se acabou!
Põe a mão na consciência
Tenha um pouco de decência
E reconheça nosso valor!

E nada mais digo, pá! Ah, sim o verso “a manhã pintou-se de azul”, é do poema “IGREJA” de Carlos Drummond de Andrade. Z au revoir!

* Escritora e encantadora de histórias
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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

06 de dezembro, 2023 | 07:01

“Só para continuar lembrando f o Drummond:

"O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão

O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas s óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
[ ... ]
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano".”

Gildázio Garcia Vitor

06 de dezembro, 2023 | 06:42

“Excelente artigo! Parabéns! Este Portal Diário do Aço deveria ser acessado por todos os portugueses, xenófobos ou não. E pelos ingleses também, os verdadeiros "proprietários" do ouro que Portugal levou daqui para Lisboa.”

Javé do Outro Lado do Mundo

04 de dezembro, 2023 | 17:25

“Bom texto, ao contrário de Drummond, Portugal deixou suas "marcas" nas terras tupiniquins. Sei não, o futuro duma nação tem tudo a ver com a história dos seus colonizadores. Um prof de História me falou isso uma vez, parece que ele estava com a razão. Rs.”

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