25 de novembro, de 2023 | 13:00

Opinião: A figura do doleiro e os crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa

Eduardo Maurício *

O doleiro nada mais é que um operador de câmbio paralelo, que não tem autorização para exercer tal atividade, e mesmo assim negocia moedas estrangeiras por fora do sistema oficial de transações financeiras. As negociações costumam ser realizadas em dólar ou qualquer outra moeda. Entretanto, toda operação de câmbio deve ser realizada por meio de instituições bancárias oficiais ou agentes autorizados pelo Banco Central, sob pena da prática de crime.

Importante analisarmos tecnicamente como será responsabilizado um doleiro em uma investigação policial e eventual ação penal a ser instaurada tanto em crimes e esquemas de lavagem de dinheiro, dentro do território brasileiro - que serão julgados então pela justiça estadual -, como crimes transnacionais - julgados pela justiça federal brasileira -, que envolvem transações financeiras no exterior destinadas aos paraísos fiscais, com o objetivo de lavar um dinheiro oriundo de uma atividade anterior tipificada penalmente (crime antecedente), muitas vezes em um cenário de tráfico de drogas internacional.

As sanções para a atividade do doleiro estão previstas no artigo 16, da Lei 7492/86, a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro, que pune expressamente as operações de câmbio não autorizadas pelo Banco Central com a pena de um a quatro anos de reclusão e multa. Neste artigo penal, está previsto expressamente como núcleo penal (verbo do artigo tipificado na lei) o ato de “fazer” ou “operar” sem a devida autorização ou com autorização obtida mediante declaração (vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio.

O doleiro muitas vezes realiza operações de dólar-cabo e pode ser acusado de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Nesse modelo de operação uma pessoa denominada “X” transfere dinheiro para o exterior sem a devida comunicação ao Banco Central para um doleiro “Y”, e esse doleiro “Y”, através de uma empresa “Z” no exterior, transfere o dinheiro para a pessoa “X” proprietária do dinheiro de origem que compra imóveis, aeronaves e outros bens, em seu próprio nome, por exemplo, em contas bancárias em países paraísos fiscais (que possuem encargos e obrigações tributárias reduzidas para pessoas físicas ou jurídicas e para suas movimentações financeiras internas ou externas), as famosas offshores, ou até mesmo em nome de terceiros “laranjas”. Muitas vezes também podem trazer o dinheiro de volta ao país de origem, com os valores limpos e "lavados" por meio de transações financeiras fictícias.

Assim sendo, conclui-se que o doleiro pode ser acusado do crime de lavagem de dinheiro (branqueamento de capitais como é chamado em Portugal e Europa), previsto e punido no Artigo 1, da Lei 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf; entre outras providências. O núcleo penal dessa legislação é o ato de “ocultar” ou “dissimular” a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de infração penal, com pena de reclusão de três a 10 anos.

“O doleiro muitas vezes realiza operações de
dólar-cabo e pode ser acusado de lavagem de
dinheiro e evasão de divisas”


E, além disso, o doleiro pode ser indiciado e acusado em uma operação policial pelo crime de evasão de divisas, previsto e punido no artigo 22, caput e parágrafo único, da lei 7.492/86, que dispõe expressamente como fato típico o ato de efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país, tendo como pena de reclusão de dois a seis anos e multa.

O doleiro pode ser enquadrado também na Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, e que prevê em seu artigo 2 a configuração de organização criminosa como o ato de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, com pena de reclusão de três a oitos anos e multa, sem prejuízo das penas das demais infrações penais praticadas. É correto dizer que para configuração da organização criminosa devem estar preenchido todos os requisitos para tanto, quais sejam: a quantidade mínima de integrantes, a existência de hierarquização, a obtenção de vantagem, dentre outras.

“O doleiro pode ser enquadrado também na Lei 12.850,
de 02 de agosto de 2013, que define organização criminosa”


É fundamental pensarmos que da mesma forma que as transações financeiras internacionais, hoje, ocorrem também no mundo digital e tecnológico como, por exemplo, os criptoativos, cenário que facilita a lavagem de dinheiro para o tráfico de drogas, corrupção, tráfico de armas, entre outros crimes, e dificulta a identificação dos criminosos, também é importante, em paralelo, a criação de políticas internas e externas de repressão e combate à lavagem de dinheiro, bem como o aprimoramento na eficácia e celeridade da cooperação jurídica internacional entre países distintos. É necessário um alargamento da sanção penal para estes tipos de delitos, com um alargamento também das penas em multa a serem impostas o pagamento aos delinquentes destes tipos penais.

* Advogado no Brasil, em Portugal e na Hungria. Doutorando em Direito - Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema pena y criminologia), pela Universidad D Salamanca - Espanha

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço

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