21 de novembro, de 2023 | 12:00

Opinião: Às favelas que não exaltei

Marco Túlio Dias *

O título destas escritas remete à música do professor Bezerra da Silva, com seu álbum Justiça Social, lançado ainda no ano de 1987. O Brasil, naquele contexto, após uma longa noite de ditadura, se preparava para a promulgação de sua constituição federal, publicada em outubro do ano seguinte. A carta magna cidadã, amplamente comemorada pelas suas disposições que versam sobre a dignidade da pessoa humana em seus mais variados eixos e aspectos, 35 anos depois, não conseguira alcançar a população preta deste país materializando os direitos e garantias lá presentes, sobretudo do artigo 5º, aliás, este país, nunca colocara os direitos das pessoas negras como um projeto de evolução da sociedade brasileira, e é por isso que vintes de novembro, que todos os dias, que todos os minutos, são primordiais para a luta e efetivação de um modelo de sociedade que nos inclua enquanto pessoas ativas e determinantes do nosso tempo, eliminando a subserviência, afinal, como ensinara o sambista que intitula esta coluna: a favela não é reduto de marginal, só tem gente humilde e marginalizada, e essa verdade não sai no jornal, a favela é um problema social. Pois bem, agora saímos no jornal, professor Bezerra da Silva.

Oriundo de atividades históricas que deram início e seguimento das movimentações do Movimento Negro Unificado (MNU) na década de 1970, o dia 20 de novembro nascera como símbolo de resistência do povo negro brasileiro: a data marca o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, líder guerreiro do Quilombo dos Palmares, surgido no final século XVI, onde hoje é localizado o estado do Alagoas (AL). O Quilombo chegara a possuir entre 20 e 30 mil habitantes, e resistindo a inúmeros ataques, existiu por mais de 100 anos, até a morte de seu líder, Zumbi, por tropas militares no ano de 1695.

“É fundamental a luta e as mobilizações por um
projeto de sociedade em que a população negra
seja incluída ativamente, que tenha autonomia,
que não siga com a corda no pescoço e com a mira na testa”


Após 300 anos da morte de Zumbi, a luta continua sendo pela vida, e vida plena para a população preta. A Lei Áurea, promulgada em 1888, jamais deve ser elevada como um título de poder normativo de libertação deste povo, muito pelo contrário, foi ela que iniciara toda a marginalização dessas pessoas que se desdobrou em outros projetos políticos de exclusão, deste modo, a abolição não foi feita para atender os interesses das pessoas escravizadas e seus descendentes, mas sim, porque aquele modelo econômico exploratório não se enquadrava mais às relações mercantis daquele momento da história.

Segundo o professor Abdias do Nascimento, a pessoa negra brasileira é a coluna vertebral do Brasil, cultivando este solo com seu sangue, suas dores, seu suor e seu trabalho, e da Lei Áurea pra cá, evidenciou-se ainda mais o projeto deste país com esta grande parcela da população: um modelo de mortandade, submissão, precariedade, epistemicídio.

A população preta não se encontra estatisticamente representada nos cargos públicos municipais, estaduais e federais, no ambiente político partidário, nas instituições públicas e privadas de ensino, nos altos cargos empresariais, na magistratura, e etc. Em contrapartida, nos encontram em abundância dentro do sistema carcerário, nas favelas, encostas, locais de risco, na drogadição, nos índices sobre vítimas da violência em seus mais variados aspectos. O Brasil é um país que não possui compromisso com a sua história porque o seu descompromisso é muito confortável e lucrativo para aqueles que ainda se beneficiam desse contínuo processo de amnésia nacional quando se trata de discutir a desescravização.

Assim, é fundamental a luta e as mobilizações por um projeto de sociedade em que a população negra seja incluída ativamente, que tenha autonomia, que não siga com a corda no pescoço e com a mira na testa como canta o rapper Djonga, que os descendentes de pessoas que foram escravizadas sejam ressarcidos, sobretudo no campo econômico, e que o Brasil entenda que o seu desenvolvimento está intrinsecamente ligado a sua história, e enquanto a questão da pessoa negra brasileira não for tratada como centralidade, as problemáticas sociais não serão superadas e continuaremos vivendo todas estas absurdidades divulgadas diuturnamente nos meios de comunicação.

Por fim, por um Brasil com mais Galos de Luta e menos Borba Gatos, mais Chavosos da USP e menos Bandeirantes Domingos Jorge Velho, mais Léa Garcias, Ruths de Souza e menos Regina Duartes, por um país onde nos enxerguemos pessoas vivas e prósperas no passado, no presente e no futuro. E ainda, como um documento histórico pela data em que se passa, reforço minha solidariedade e anseio de resposta do sistema de justiça brasileiro para as famílias do DJ Felipe e dos MC’s Felipe Boladão, Duda do Marapé, Primo e Careca, uma geração inteira do funk paulista, da Baixada Santista, assassinados nos anos de 2010 a 2012. A carne mais barata do mercado não será mais a carne negra.

* Graduado em Direito, cofundador do Coletivo Negro Vale do Aço, artista, fotógrafo e intelectual do Movimento Negro. Seus trabalhos podem ser acompanhados pelo instagram _negromar e @coletivonegrovda.

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Comentários

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Mati Lima

23 de novembro, 2023 | 01:48

“NegroMar você é cirúrgico sempre. ADMIRAÇÃO.”

Beatriz Pereira de Oliveira Moura

22 de novembro, 2023 | 16:41

“Parabéns querido falou tudo sem deixar nem um tiú para traz grande escritor fotógrafo, Advogado e será um grande juiz lutando pôr várias causas ,estamos junto respeito a nossos direitos é cor amo de paixão meus queimadinhos com muito carinho ?????????????”

Gildázio Garcia Vitor

22 de novembro, 2023 | 12:05

“Excelente artigo! Parabéns! Obrigado!
Adorei o último parágrafo: "mais Léas Garcias e Ruths de Souzas e menos Reginas Duartes".”

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