
19 de setembro, de 2023 | 08:00
Opinião: De contestado, gregos e cachaça...
Nena de Castro*
Creio que meus cinco leitores não sabem onde fica TIPITI. Bão, só posso dizer que é pra lá do mais pra cá de Mantena, ali na zona do breu que se chamava Contestado (território disputado a tiro e facada) por Minas e Espírito Santo e onde se matava pra ver o defunto cair. Era uma faixa de terras rica em minérios e florestas ao norte do Espírito Santo onde o pau comia entre mineiros e capixabas, também chamada de Zona Litigiosa e era mesmo uma zona, com os moradores divididos entre dois poderes, duas jurisdições, e a gente nem sabia a quem pedir bença, causa de quê o trem era feio. Como é que eu sei? Ara, nossa família (pai, mãe, irmãos, primos e agregados, cachorro, papagaio e galinhas) morou em Tipiti e Boa União no fim da década de 50 a 62.Arrá, pensavam que eu tava inventando né? Posé, só falo do que sei, vi, ouvi, estudei, li, mode num muntá no porco” e sair dando mancadas por aí apesar das saladas históricas que escrevo, sob o véu do humor. Era a nossa Faixa de Gaza”, Pensam que exagero? Sabe de nada, inocente! Transcrevo aqui um trecho da Dissertação de Mestrado de Tiago Vieira Fagundes, de 2008, da faculdade Vale do Cricaré de são Mateus (ES).
De acordo com o relato dos vários moradores, quando a polícia do Espírito Santo prendia um mineiro, a polícia mineira ia até a delegacia capixaba em (sic) um grande número de policiais e mandava soltar o prisioneiro. Pode-se dizer que o Contestado gerou imensos problemas, entre eles, o problema do pagamento de impostos, pois o camponês que plantava um café não sabia para qual coletoria pagar imposto, e também o nascimento de crianças, já que a família não sabia em qual cartório deveria registrar a criança. Um casamento feito em solo mineiro não era reconhecido no Espírito Santo e vice-versa, e quem matava em Minas Gerais não tinha o crime reconhecido no Espírito Santo e, muitas vezes, o contrário também ocorria. Foi uma época marcada por insegurança, medo e incertezas”.
Afirmo que os filósofos gregos na venda do meu pai,
nunca, com toda a cachaçada, nenhum deles ofendeu
Maquiavel e Antoine de Saint-Exúpery”
Há muito mais a contar sobre esse período, o povo andava pisando em ovos, mineiro não falava com capixaba, nós usávamos uniforme azul na escola e eles” uniforme vermelho. Foi nessa época que mamãe nos ensinou o valor do silêncio, devíamos cumprimentar a todos, com respeito, e NUNCA mencionar o que era falado em casa nem opinar sobre política! Ao fim das conversas, dona Inês dizia não dá o cheiro”, ou seja, bico calado! E a gente não dava o cheiro” pra ninguém, pois era morte certa!
Cumpre ressaltar que nessa terra de ninguém havia muitos bandidos que para lá iam, fugindo da justiça e se empregavam com os grandes fazendeiros (coronéis) para prestar todo tipo de serviço, principalmente matar!
Apois, talvez agora entendam causa de quê a Bugra é meio aluada, minha primeira infância foi no meio desse conflito, ó céus ó dor! (Mas havia as manhãs de sol, os risos, as brincadeiras de roda, o chicotim queimado, o pular corda, bicho de pé e frieira, os dias de missa e gente amiga e fiel)
Meu pai tinha uma venda de secos e molhados, comprava e vendia café e pedras preciosas. Na venda iam os bebuns do lugar e os pistoleiros; também os filósofos gregos disfarçados de mineiros paravam pra beber pinga e comer linguiça assada no foguim da cachaça, uma chama azulinha no prato esmaltado cujo cheiro me persegue até hoje...
Alguns deuses do Olimpo também compareciam, quando não estavam pegando as deusas, ninfas, náiades e mortais e entre goles de pinga com cinzano (traçado), cantavam Coração Materno” de Vicente Celestino e Colcha de Retalhos” de Cascatinha e Inhana. Folhosofando” na venda, Sócrates, afirmou saber que nada sabia e resolveu dedicar-se ao futebol; Platão dizia que ia procurar uma caverna para poder representar o mundo e certos uns que não querem saber a verdade e Ti Tote, (Aristóteles) falava que o sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa tudo o que diz”. Epa! Aquele causídico que falou besteira essa semana, no STF entrou com louvor no Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País), do saudoso Estanislaw Ponte Preta.
E na minha salada misturando Contestado, infância, política de dupla jurisdição, mortes e quejandos, afirmo que os filósofos gregos na venda do meu pai, nunca, com toda a cachaçada, nenhum deles ofendeu Maquiavel e Antoine de Saint-Exúpery, misturando alhos com bugalhos, pois sabiam que tu te tornas eternamente responsável pelas citações que fazes”! Rs. E nada mais digo!
* Escritora e encantadora de histórias
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Tião Aranha
19 de setembro, 2023 | 10:07Boa reflexão. Os contestados da vida continuam, só que com outa contestação, pois a modernidade sempre atrapalha. Aqui no Vale do Cangaço, a celeuma tá na distribuição das drogas que vêem da Colômbia que só tem nela a base do seu PIB. E continua matando. Mais que na capital do Estado. Na divisa do Chile e da Colômbia o que se vê, tb, é só violência. Mas já que a vida é um mero processo de investigação; deixa rolar, pra vê até aonde vai parar. As autoridades, aff, as outoridades! Gente boa não pode falar política! (Tal qual na terra da nossa colunista). Risos.”