
22 de agosto, de 2023 | 14:00
Opinião: Esmeralda...
Nena de Castro *
Era bem morena, a pele quase escura, cabelo anelado, de média estatura. Só a conhecia de vista, cruzando a rua do povoado onde papai tinha uma venda, andando depressa, cabeça baixa. Era casada com um tal José Viana, que se dizia lavrador, e moravam na última rua onde a vila acabava e começava o matagal que margeava o caminho que levava a Ecoporanga (ES).O povoado chamava-se (aliás, ainda se chama) Tipiti e fica depois de Itabirinha de Mantena. Era um local pequeno, da rua de acesso saíam mais três ruas pela direita; uma rua à esquerda levava ao local chamado Água Preta. Tipiti fazia parte do chamado Contestado, que era uma faixa de terra disputada a tiro e confusão por Minas Gerais e Espírito Santo, com polícia mineira e capixaba, escola mineira e capixaba, inimizade entre famílias por causa do lado”, meu Deus, quanta bobice já vi nessa vida!
A pequena igreja recebia volta e meia um padre capuchinho e as sandálias franciscanas de Frei Inocêncio pisaram o local. Até diziam que Frei Inocêncio teria amaldiçoado o povoado, pois ao sair a cavalo depois de ouvir confissões, fazer batizados, casamentos e celebrar missa, um sargento capixaba teria soltado um foguete atrás do animal que se assustou corcoveando, quase derrubando o frei, enquanto o militar e seus soldados riam às escâncaras. Não sei se é verdade, o povo dizia...
Lá eu estudei numa Escola Singular, ou seja, todas as séries ao mesmo tempo na mesma sala e meu professor chamava-se seu Dativo. Tinha a dona Maria, mãe da Aurora Doida, o bêbado Zé Modesto, seu Jeremia Arcanjo que gostava de contar lorotas sobre suas caçadas, o Zonzim Alfaiate metido a valente, o Joaquim Ieié, o farmacêutico que tinha a mania de raspar a garganta, tirar os óculos, coçar a sobrancelha direita, colocar os óculos e atender aos fregueses e por causa disso, sua sobrancelha quase desaparecera. Na semana santa os santos eram cobertos de pano roxo e o sino que ficava num pequeno coreto na rua da igreja, tocava sozinho” pelas altas horas e todo mundo se benzia horrorizado, dizendo que eram as almas penadas que vinham buscar a gente. Diziam também que o povoado era abrigo de criminosos, cabocos que matavam e iam se esconder lá. E a ação da polícia, tanto de um lado como do outro, era violenta.
No entanto, o mais terrível é constatar que mais de 60 anos
depois, as mulheres continuam sendo mortas por homens maus”
De certa feita, fomos visitar uma fazenda lá perto, umas cinco mulheres todas a cavalo, eu na garupa de uma delas e vimos Esmeralda a pé, caminhando de cabeça baixa pela estrada em direção ao povoado e logo atrás, o marido a cavalo, segurando uma trouxa apoiada na cabeça da sela. As mulheres comentaram que ela tinha certamente fugido mais uma vez, mas o marido a alcançara e levava para casa. Eu era bem nova, uns nove anos, mas senti uma estranheza quando a mulher passou por nós seguida pelo homem que tinha uma cara muito ruim.
Daí a um tempo, o tal José Viana apareceu bem cedinho na rua principal, pedindo uma enxada emprestada, precisava urgente. Dois dos moradores saíram de fininho e foram até a casa e ali, tampado por galhos, encontraram o corpo ensanguentado da pobre mulher que fora esfaqueada com gosto, até a morte.
O cara foi preso pela polícia capixaba, e no dia seguinte foram levá-lo para Ecoporanga, mas voltaram da viagem dizendo que no caminho, o covarde Zé Viana fugira. Alguns disseram que fora morto, outros diziam que havia pago uma grande quantia para ser liberado, e nunca soubemos o que aconteceu.
As mulheres do lugar prepararam Esmeralda pro enterro, Seu Chico Cardoso fez o caixão, e subiram a encosta do cemitério rezando o terço e cantando hinos. Mamãe participou de tudo e chegou chorando em casa impressionada com os ferimentos no corpo de Esmeralda. Muito triste! No entanto, o mais terrível é constatar que mais de 60 anos depois, as mulheres continuam sendo mortas por homens maus, o feminicídio atinge índices totalmente absurdos!
Parem de matar mulheres, seus covardes! PELO FIM DE TODA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER! E nada mais digo...
* Escritora e encantadora de histórias
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]
Tião Aranha
22 de agosto, 2023 | 20:22Já ouvi falar da fama deste lugar, matava um a noite, e deixava o outro amarrado pro outro dia. Mas não justifica nenhuma violência contra a mulher.”