15 de agosto, de 2023 | 14:16
Atriz Léa Garcia morre, aos 90 anos, e deixa história no teatro negro
O teatro brasileiro acaba de perder mais uma de suas grandes atrizes: Léa Garcia, que faleceu nesta terça-feira (15), aos 90 anos, horas antes de ser homenageada com Troféu Oscarito durante o Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul. Além disso, está previsto para ir ao ar, no canal Curta!, às 23h30, o episódio inédito de Teatro Experimental do Negro” da série exclusiva Companhias do Teatro Brasileiro”, que reúne depoimentos da artista ao relembrar quando começou a atuar no TEN. O capítulo tem a direção de Roberto Bomtempo e estará no Curta!On - Clube de Documentários também nesta quarta-feira (16).Léa Garcia relembra início da carreira no Teatro Experimental NegroMeu sonho era ser escritora, mas Abdias chegou em minha vida e mudou tudo. O teatro realmente entrou na minha vida após atingir certa idade, por volta dos 16 anos, quando fui com Abdias assistir a A Herdeira, com Bibi Ferreira. Foi em uma dessas saídas que meu pai estava me esperando na esquina da minha rua e me bateu. Então, larguei meu material escolar e tudo mais, fugindo de casa. Acabei vivendo com Abdias”, relembrava Léa Garcia.
A atriz foi casada com Abdias do Nascimento - ator, poeta, jornalista, economista e militante da causa negra -, criador da companhia ao lado de Aguinaldo Camargo, Theodorico dos Santos e José Hernel. O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi uma resposta a uma prática comum na época conhecida como black face”, na qual atores brancos tinham o rosto pintado de preto para interpretar personagens negros. Abdias ficou indignado ao assistir a uma produção teatral que utilizava essa prática e decidiu fundar um teatro negro que servisse para combater o racismo. Além, claro, de mostrar que os negros também podiam ser atores e participar ativamente das produções teatrais.
Em casa, ele costumava me dizer que eu tinha um talento artístico muito grande e uma ótima capacidade de atuação. Eu, porém, dizia que não queria ser atriz, mas ele continuava insistindo. Foi quando engravidei, pouco tempo depois que ele montou o espetáculo Rapsódia Negra (1952) e me convenceu a fazer parte do elenco." (...) "Eu estreei dizendo O Navio Negreiro, de Castro Alves, e também dançando uma música chamada Harlem, onde dançava com Claudiano Filho, também membro do Teatro Experimental do Negro, em um número de jazz. Além disso, havia um quadro focado na dança dos orixás das religiões de matriz africana, onde eu interpretava Oxum. Assim, foi minha estreia no teatro. Uma vez que pisei no palco, não quis mais sair”, comentou Léa Garcia, em entrevista exclusiva para a série.
Cultura negra
O TEN estreou em 8 de maio de 1945 com a peça O Imperador Jones”, de Eugene O'Neill, não por acaso, a mesma que Abdias tinha assistido anos antes, marcando a primeira vez que atores negros pisaram no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O pesquisador Daniel Marano explica que Abdias do Nascimento, desde o começo, quis que o Teatro Experimental do Negro fosse mais do que apenas um grupo teatral, que desenvolvesse atividades paralelas ao palco. Assim vieram os cursos de alfabetização, congressos, debates sobre a questão do negro, concurso de artes plásticas, de beleza e a publicação de um jornal, Quilombo”.
Ao longo da década de 1960, o TEN se afastou dos palcos devido a questões financeiras e passou a focar mais nas atividades sociais e políticas lideradas por Abdias Nascimento, que seguiu carreira política, uma forma de ampliar conquistas. Em uma rara entrevista, Abdias explica a importância da companhia. O TEN é uma afirmação da cultura negra, da capacidade do negro de se organizar, a capacidade de luta do negro e de cultura africana no Brasil, independentemente de qualquer influência branca”, resumiu
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