01 de agosto, de 2023 | 16:00

Uai, sô!

Nena de Castro *

Ferrim Matoso era muinto (muito) espicula. A língua não cabia na boca. Quando ispaiou que Maria Bundinha estava de bonde com Zoca Pinho na Rua da Baixada, deu um reboliço e a muié de Zoca, dona Arzira foi atrás; encontrando os dois, armou uma briga danada e Ferrim Matoso cascou no capinado, virou um tango e foi pra Vila do Breu inté as coisa se acarmá! Por muito tempo ninguém viu sua “cara de caxinguelê” nas redondeza. O bostica do Ferrim, todo lambrecado de barro na fuga, deixou sua mãe dona Isolina na maió dificulidade, passando farta de um tudo, de farinha de pau a criozena e ela ia de casa em casa, pedindo um cuitezim de feijão, uma cadim de pó de café...

Seo Antero vendêro, arrumava as mercadoria na vendinha, de zói nas fia Zelena e Zenaide que barriam a rua na frente da casa, mas na verdade tavam de olho nos rapaiz, fi de Zé Venêto.

Um deles, o Flordoaldo, gostava de cantiá marra falando das porca e galinha que pissuía e que tava percurando uma moça de famia mode casá. Mas se quisesse, que fosse pidi licença pra seo Antero que tinha uma garruchinha relepa e era muito brabo, suas fia galaloa (bonitas) haviam de se casá virge, de vestido branco na frente do padre.

Ceiça Durval mais dona Mariquinha rolaro no chão causa de quê a premêra xingou o fio da outra de fidumaégua savergonha...

Deu um inguiço no dia da prucissão de santo Antõe, Zé da Zica, meio calibrado de pinga, carregava o andor quando tropeçou numa pedra, catou cavaco e o santo caiu pro riba de Dona Tervina que garrô ele e não deixou que batesse no chão.

Joaquina, a bitelona fia de seu Quinca e dona Filó, fugiu co Mané Tripêro nas calada da noite e foi uma falazada sem fim na vila. Sô Quinca, mais dois cumpanhêro foro atrás a cavalo, mais num achou ês, foi sorte pruquê ia matá os dois. Quem avera de dizê, a moça era calada, quieta no seu canto e derrepente bateu as asa e sumiu...

Seo Januário era o festêro do mês de Maria naquele ano e ele ficava gavando que seria a mió festa que o povo ia tê naquelas parage. Com o dijutório de Mané Cacimba, Seo Januário fez um monte de trem, mas arresorveu fazê tombém uma fugueira embora não fosse São João nem Santantõe. O resultado foi que pegou fogo no véu da menina de Toinha que ia coroar a santa e foi um frege danado! Murilo Coió encasquetou de rematá o frango, o João Bebezo tombém e os dois rolaro no chão dando murro e pernada, foi um fuá, o povo correu, tomaro o punhar de Murilo, sinão a noite ia acabá com morte matada. Amo essas lembranças do impar linguajar de Minas, com a poesia das manhãs de sol e cerração nos picos das montanhas que se perdiam-no azul.

E a vida continuava naquelas paragens mineiras, as muié fazeno o dicumê, os homi trabaiano e levano a vida do jeito que dava nos coiós de Minas, onde eu vivi por 10 anos, muita dificuldade, mas muita coragem, como requer a vida, segundo mestre Guimarães Rosa. E nada mais digo...

* Escritora e encantadora de histórias
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Comentários

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Tião Aranha

01 de agosto, 2023 | 20:51

“Bom texto. A missão do poeta em compartilhar conosco o silêncio dos homens e das coisas até aonde o espírito consegue alcançar na extensão do espírito. Antigamente os valores eram outros, e a vida também. Não existia a tal de depressão. Risos.”

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