16 de julho, de 2023 | 08:00

Diretor da Fundação Perseu Abramo e consultor tributário, Virgílio Guimarães detalha impactos esperados com a reforma tributária

Marcos Oliveira/Agência Senado
Proposta da reforma, já aprovada na Câmara dos Deputados agora é debatida no Senado Proposta da reforma, já aprovada na Câmara dos Deputados agora é debatida no Senado

Depois de mais de 30 anos de discussão, a primeira fase da reforma tributária, que reformula a tributação sobre o consumo, está em andamento no Congresso Nacional. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e começa a ser discutido agora no Senado, onde precisa ser aprovado em dois turnos por, pelo menos, três quintos dos parlamentares (49 senadores) para ser promulgado. Caso a Casa faça alterações, o projeto da reforma volta à Câmara. As mudanças aprovadas começam efetivamente em 2026, mas haverá transição até 2033.

A proposta de emenda à Constituição (PEC), caso aprovada em definitivo no Congresso, simplificará e unificará os tributos sobre o consumo e representa apenas a primeira etapa da reforma. O texto unifica duas PECs que tramitaram pelo parlamento nos últimos anos, uma na Câmara e outra no Senado.

A principal mudança será a extinção de cinco tributos. Três deles são federais: Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esses tributos serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser arrecadada pela União. Dois impostos a serem extintos são locais, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), administrado pelos estados; e o Imposto sobre Serviços (ISS), arrecadado pelos municípios. Em troca, será criado um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, dividido em duas partes. Uma delas será o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que unificará o ICMS e o ISS. A outra parte do IVA será o CBS.

Em troca de mudanças que trarão o fim da guerra fiscal entre os estados, o governo criará um Fundo de Desenvolvimento Regional para financiar projetos de desenvolvimento em estados mais pobres. Inicialmente orçado em R$ 40 bilhões a partir de 2033, o fundo foi um dos principais pontos de embates.

Há vários pontos a serem esclarecidos na proposta em tramitação no Congresso. Neste sentido, a pedido do Diário do Aço, o economista Antônio Nahas Júnior conversou com o diretor da Fundação Perseu Abramo e consultor tributário da bancada do PT, Virgílio Guimarães. Ex-deputado federal por Minas Gerais, Virgílio, que inclusive participou da discussão da atual Constituição Federal, atuou no assessoramento para a tramitação da reforma tributária.

Antônio Nahas - Faça uma apreciação sobre a reforma tributária aprovada. Ela é positiva para sociedade?
ALMG
Virgílio Guimarães atua como consultor da bancada do PT no Congresso Virgílio Guimarães atua como consultor da bancada do PT no Congresso

Virgílio Guimarães - Sem dúvida que é positiva. A reforma tributária veio atrasada. Deveria ter sido feita na Constituinte (de 1988). Como a Constituinte assegurou que os estados, de fato, exercessem a sua autonomia, começou a guerra fiscal entre os estados. Cada dia uma legislação nova, cada dia uma concessão diferente, 27 legislações diferentes criaram uma barafunda tributária, primeiramente em torno do ICMS. Depois, também, o governo federal começou a entrar na confusão tributária porque a Constituinte retirou da União uma parcela importante dos impostos e redistribuiu sem compensação alguma. Aí o governo federal desandou para criar mais tributos desordenadamente e isso fez com que a reforma tributária fosse urgente. Mesmo urgente ela nunca aconteceu porque não conseguiu politicamente se viabilizar. Acho positiva a reforma de agora, tenho críticas, mas melhor do que o sistema atual, sem dúvidas, ela é.


Antônio Nahas: Com relação ao ICMS e ao ISS, essa nova reforma unifica os dois impostos. Explique melhor essa unificação e as vantagens e desvantagens que isso pode ter para estados e municípios.

Virgílio Guimarães - Eu preferia que fosse uma reforma só do ICMS para poder entrar em vigor rapidamente. O Brasil tem pressa. Um dos problemas da reforma aprovada é que ela vai demorar dez anos para fazer seus efeitos. Ela começa a ser um pouco mais vigorosa em 2026. Porque para superar os problemas de ICMS ela cria dois impostos de valores adicionais novos, dois IVAs como se chama, Imposto sobre Valor Agregado, um federal que é uma contribuição sobre bens e serviços e outro estadual que chama imposto sobre bens e serviços.

Ele unifica, nesse caso do estado, o ICMS com o ISS e parece uma coisa teoricamente positiva, mas na prática arriscada porque pode prejudicar muitos municípios, sobretudo aqueles que já se aparelharam para fazer a cobrança do ISS, que é um tributo importante para os municípios. E mais do que isso, ele poderá provocar distorções graves no setor de serviços. O tributo federal que unifica o IPI com o PIS/Cofins me parece também desnecessário neste momento. É positivo, mas para o imediato não traz vantagens. Ou seja, é uma reforma positiva, que já vem atrasada, mas tem um ritmo também bastante lento. Portanto, acho que poderia ser melhor.

Antônio Nahas: O ICMS hoje é arrecado pelo estado e transferido aos municípios (25% da arrecadação), sendo a legislação toda estadual. No caso dos ISS, é arrecadado pelos municípios e a legislação é municipal. Como fica essa questão já que teremos um único imposto, um sobre circulação de mercadorias e serviços e outro sobre a prestação de serviço?

Virgílio Guimarães: Ela ainda está sendo bastante discutida, tem pontos bastante polêmicos. É um imposto para os municípios, cobrado pelo estado, com legislação federal, pela reforma votada. A legislação é federal, a aplicação será dos estados e redistribuída aos municípios. Existem várias propostas de conselhos entre os estados para estabelecer normas e alíquotas que não estão definidas ainda. São pontos de interrogação mais do que respostas possíveis em termos de garantia do futuro próximo.

Antônio Nahas: As alíquotas do ICMS eram muito maiores do que as alíquotas do ISS. Se essa arrecadação do atual ISS for feita pela nova legislação não vai haver perda para os municípios?

Virgílio Guimarães: Esse risco existe. É bom saber que as empresas terão também a compensação dos seus créditos. Os serviços serão tratados exatamente como mercadorias hoje. Mas a cadeia produtiva dos serviços é muito curta. Portanto, eles teriam poucos créditos para serem compensados, o que tornaria o tributo muito oneroso. Poderia tirar a competitividade, reduzir, portanto, a sua incidência pela redução do fato gerador. São incógnitas sérias que precisam ser analisadas.

Antônio Nahas: A arrecadação desse imposto vai ser feita pelo estado ou diretamente pelos municípios?

Virgílio Guimarães: Imediatamente a arrecadação do imposto sobre bens e serviços, todos os serviços, será feito pelo estado. Hoje, os serviços que são alvo do ICMS, o S de serviço, são os serviços de cobrança bem mais fácil. Serviço sobre as telecomunicações são quase que uma cobrança automática. E serviço de transporte, o que são de fácil fiscalização. Os demais serviços, que são muito pulverizados, são de detecção local e são mais próprios da fiscalização municipal, exatamente porque o município conhece mais, vê aonde que ele se situa. É de se esperar que, na regulamentação do imposto, os municípios terão um papel também de participar da fiscalização e até de conselhos que vão reger a execução do imposto.

Antônio Nahas: A nova legislação também trata sobre a taxação diferenciada para bens de luxo, como lanchas, jatinhos, jet ski. Como será essa taxação?

Virgílio Guimarães: A previsão que existe na reforma é de uma inclusão desses equipamentos no imposto sobre os veículos automotores, o IPVA, seriam tributos estaduais, com a exceção evidente dos veículos automotores que são diretamente ligados à produção, estariam isentos dessa tributação. Isso é positivo, é uma execução difícil, porque exatamente esses veículos automotores, aquáticos e aéreos que hoje não pagam são muito voláteis do ponto de vista da sua localização, e a grande maioria é travestido de veículos de fins comerciais. Eu preferia que fosse um aperfeiçoamento do imposto sobre grandes fortunas, ou seja, que os bens suntuários, os veículos automotores de luxo, seja de pessoa física ou jurídica, pudessem ser taxados de uma maneira diferenciada, com um adicional para tal.

Antônio Nahas: A reforma também fala em isenção ou impostos muito baixos para determinados bens. Isso também é um ponto da reforma, ou seja, ela coloca a possibilidade de haver tarifação maior para o bem de luxo e tarifação menor para bens de consumo da população? Como avalia?

Virgílio Guimarães: Me parece que é uma medida correta. Já que vai unificar o tributo, que pelo menos se faça a diferenciação entre a essencialidade dos produtos e o seu impacto diferenciado nos diferentes níveis de renda.

Antônio Nahas: A reforma deixou de fora o imposto de renda. Isso foi uma vantagem ou uma lacuna da reforma?

Virgílio Guimarães: É uma estratégia. A ideia do governo é que o imposto de renda também tenha as suas alterações. Vamos aguardar para ver que tipo de mudança vem do imposto de renda. Da minha parte, já acredito que deveríamos ter um aumento na alíquota máxima, como já foi no passado. O Brasil historicamente teve uma alíquota máxima de 45%. Hoje, a alíquota máxima é de 25%. Isso já seria uma mudança significativa. Acredito que deveríamos também retirar das isenções de pessoas de alta renda as exceções que tem com saúde e educação.

Antônio Nahas: Por fim, qual foi a grande vantagem da atual reforma tributária?

Virgílio Guimarães: A grande vantagem é o fim da guerra fiscal. Essa é a grande simplificação. A simplificação não é a unificação dos impostos. A unificação é o fim da guerra fiscal entre os estados, é a unificação do imposto sobre o consumo, porque hoje nós temos 27 ICMSs. Nós não temos um ICMS apenas. Essa é a grande unificação. Isso sim simplifica, isso sim dá transparência, previsibilidade, dá segurança jurídica. Pena que vai demorar a ser totalmente implantado. Por isso eu preferia uma reforma diretamente apenas do ICMS.
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Comentários

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Tião Aranha

16 de julho, 2023 | 12:46

“Em plena globalização, estatização da economia. O risco que se corre mesmo é o consumidor pagar mais impostos, pois vai tirar dinheiro dos municípios. Taxação das grandes fortunas mesmo, nada. Risos.”

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