30 de maio, de 2023 | 18:29

“Portal da Memória” resgata raízes afro-brasileiras e patrimônio de BH

A famosa escultura de Iemanjá localizada na Lagoa da Pampulha desde 1982 sofreu muita depredação ao longo dos anos. Em 2007, o “Portal da Memória”, obra do artista mineiro Jorge dos Anjos, resolveu o problema, ao proteger com uma moldura de ferro a escultura de Iemanjá, ao mesmo tempo em que abriu uma multiplicidade de reflexões sobre a história da cultura de raízes africanas que permeiam a formação de toda a capital mineira. Em homenagem a esse processo e à trajetória do importante artista ouro-pretano, o livro “Portal da Memória: A poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade” será lançado nesta sexta-feira e neste sábado, dias 2 e 3 de junho, respectivamente, no Centro Cultural da UFMG (das 18h30 às 20h) e na Casa do Baile (das 11h às 12h). Durante os seminários, que têm entrada gratuita e contarão com mesas e debates, serão distribuídos exemplares da publicação.
Tavinho Moura/Divulgação
Livro sobre a obra de Jorge dos Anjos na Lagoa da Pampulha ressalta o resgate das raízes afro-brasileiras Livro sobre a obra de Jorge dos Anjos na Lagoa da Pampulha ressalta o resgate das raízes afro-brasileiras


Jorge dos Anjos tem muitas obras que reverenciam a cultura afro-brasileira e conversam com os espaços públicos de Belo Horizonte, mas “Portal da Memória” pode ser considerada sua criação mais emblemática na cidade. A imensa escultura de ferro oxidado, marcada por desenhos de símbolos religiosos das matrizes afro-brasileiras, não apenas protege a estátua de bronze de Iemanjá - removida para um pedestal sob a água, evitando o contato do público com a peça, após a instalação do portal na orla - mas apresenta, literalmente, um convite para reparar outros belos horizontes, neste caso, construídos a partir de um enquadramento de ferro, rígido, de presença imponente, que pode simbolizar o olhar da população negra e suas vivências, lembranças e culturas não raras as vezes amordaçadas e negadas.

Criada para ser o cartão postal da modernidade de Belo Horizonte na década de 1940, com obras de Oscar Niemeyer e jardins de Burle Marx, a orla da Lagoa da Pampulha, cercada pela Casa do Baile e pelo Iate Tênis Clube, durante muito tempo se manteve como espaço restrito à elite e, consequentemente, negado às pessoas pretas. Nesse sentido, “Portal da Memória” foi criada como uma espécie de reparação histórica simbólica e uma lembrança viva aos visitantes de que a cidade e suas belezas não estão determinadas pelo estereótipo burguês do homem branco, ao contrário, são essencialmente resultado da multiplicidade de seu povo, incluindo a população escravizada por mais de três séculos da história e empurrada para a margem das periferias brasileiras na chamada “modernidade democrática”.

É contra o apagamento do passado da população preta e o silenciamento contemporâneo das raízes afro-brasileiras que a obra de Jorge dos Anjos ganha força e sentido concreto. “O ‘Portal da Memória’ é uma das esculturas mais significativas que tenho em BH, em um lugar importante, a Lagoa da Pampulha, em diálogo essencial com a água. Na África, antes de entrar no navio negreiro, costumavam vedar os escravos e andavam em círculo com eles envolta de uma árvore, que era chamada árvore do esquecimento. Nesse sentido, nessa obra, a água é memória. É como se, ao atravessar o portal, você fosse se lembrando da sua história, sua existência, é uma maneira simbólica de afirmar isso”, explica o artista. “Desenvolvo meu trabalho pensando nas raízes africanas. E sei que a minha arte, a escultura, acaba sendo consumida por pessoas mais ricas. Por isso, é importante a obra estar em um espaço público, de acesso a todos. Acredito que o lugar público é a vocação da escultura”, complementa Jorge.

Pesquisa e beleza
Realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte (LMIC-BH), o livro sobre a obra de Jorge dos Anjos resulta da pesquisa desenvolvida por Maria Tereza Dantas Moura, conservadora-restauradora e mestre em Patrimônio Cultural pela UFMG, e Rita Lages Rodrigues, historiadora e professora de História e Teoria da Arte da Escola de Belas Artes da UFMG. “Na iniciação científica, a professora Rita Lages me pediu para escolher um monumento urbano para pesquisar e não tive dúvida de que seria o 'Portal da Memória'. A escolha não se deu só pela beleza da escultura, das linhas construtivistas, da geometria sensível, mas pelos múltiplos significados que a obra apresenta para a comunidade e das possibilidades de desenvolvimento da pesquisa na área da preservação do patrimônio”, afirma Maria Tereza Dantas Moura.

Natural de Ouro Preto (MG), Jorge dos Anjos é artista plástico formado pela Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), tendo assimilado técnicas e perspectivas com os professores-artistas Nuno Mello, Ana Amélia e Amilcar de Castro. O trabalho de Jorge dos Anjos é nacionalmente e internacionalmente reconhecido pelas originais esculturas produzidas principalmente em chapas de ferro oxidado, mas também em pedra sabão e madeira. Sua arte é marcada por reverências e resgates da cultura africana, caracterizada por dobras, recortes e inclinações improváveis da estrutura rígida, desafiando a natureza principalmente do metal, que rendeu à sua obra a alcunha “balé de silhuetas”.
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