29 de março, de 2023 | 12:00

Assistência Previdenciária às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Familiar

Rosemberg Dutra de Oliveira *


A violência doméstica e familiar contra a mulher - baseada no gênero – representa um dos efeitos da triste herança do patriarcado, responsável por erigir um ignóbil sistema de dominação e exploração das mulheres pelos homens, no qual, eles predominam em funções de liderança política, econômica, moral e social, com reforço à desigualdade entre os sexos e à relação baseada na subordinação, relegando a elas a condição de subordinada.

Não foi sem motivo que em 1928 se criou o primeiro órgão intergovernamental para tratar dos direitos humanos das mulheres, a Comissão Interamericana sobre as Mulheres (CIM). Em seguida, decorrem: a Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher de 1948; a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher de 1953; as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre igualdade de remuneração (1951), sobre amparo materno (1952), sobre discriminações no mercado de trabalho (1958); sobre a extensão da responsabilidade sobre a família ao homem (1981) e sobre o trabalho noturno (1990); a I Conferência Mundial sobre a Mulher, na Cidade do México, em 1975; além da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres de 1979, apenas para citar alguns documentos internacionais.

“Como os casos de violência familiar acarretam ofensa à
integridade da mulher, devem ser equiparados aos
de enfermidade da segurada”


O caso brasileiro mais conhecido e que se tornou símbolo da luta pelo fim da violência contra a mulher, foi o da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, nascida em Fortaleza, em fevereiro de 1945. Ela sobreviveu a, pelo menos, duas tentativas de feminicídio: a primeira delas, com disparo de arma de fogo, que lhe atingiu a medula, acarretando a perda dos movimentos; a segunda, por meio de eletrocussão, durante o banho. A tragédia da qual ela foi vítima, deu ensejo à criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que leva o seu nome, tendo criado diversos mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em que pese os aspectos criminológicos da abordagem, não vamos nos prender à responsabilização do agressor, nem à (in)eficiência dos órgãos de persecução penal, voltar-nos-emos sim para alguns dos instrumentos (notadamente os previdenciários) que socorrem a vítima, a quem as próximas linhas serão igualmente dedicadas.

“Uma das coisas importantes da não violência é que
não busca destruir a pessoa, mas transformá-la”


Preconiza o art. 9º, §2º, II, da Lei nº 11.340/06, que o juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

Em razão da lacuna da mencionada lei, que não determinou de quem é a responsabilidade pela manutenção dos valores a título de subsistência da mulher em situação de violência doméstica, durante o período de afastamento, entendeu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a natureza jurídica dessa ausência laboral por até seis meses é de interrupção do contrato de trabalho, incidindo, analogicamente, o auxílio-doença, devendo a empresa se responsabilizar pelo pagamento dos quinze primeiros dias, ficando o restante do período a cargo do INSS (REsp 1.757.775-SP).

Veja-se que a Lei nº 11.340/06 apenas determinou ao empregador a manutenção do vínculo laborativo, por até seis meses, devido ao seu afastamento do local de trabalho, mas nenhuma outra obrigação foi prevista, deixando a ofendida desamparada, sobretudo no que concerne à fonte do seu custeio, indispensável à sobrevivência. Por causa dessa omissão legislativa, deve-se entender que, como os casos de violência doméstica e familiar acarretam ofensa à integridade física e psicológica da mulher, por essa razão, devem ser equiparados aos de enfermidade da segurada, com incidência do auxílio-doença.

Nestes casos, em vez do atestado de saúde, a vítima precisará da homologação ou da determinação judicial de afastamento do trabalho em decorrência de violência doméstica e familiar para comprovar a inaptidão para comparecimento ao local de trabalho. Desta maneira, a empresa se responsabilizará pelo pagamento dos quinze primeiros dias, ficando o restante do período a cargo do INSS, desde que haja aprovação do afastamento pela perícia médica daquele instituto previdenciário.

A competência para apreciar o pedido de medida protetiva de manutenção de vínculo de trabalho, será do juiz da vara especializada em violência doméstica e familiar ou, caso não haja na localidade, do juiz criminal, tendo em vista que o motivo do afastamento não advém da relação laboral, mas de situação emergencial que visa garantir a integridade física, psicológica e patrimonial da mulher, dispensando-se, assim, a atuação da justiça especializada trabalhista.

No mais, a violência psicológica contra a mulher passa a ser crime definido no art. 147-B do Código Penal, incluído pela Lei nº 14.188/21, além do que tramitam no Congresso Nacional: o PL 6410/19, que assegura ao INSS o direito ao ressarcimento pelas despesas previdenciárias contra o autor do crime de feminicídio; o PL 976/22, que institui pensão especial aos filhos das vítimas de feminicídio e o PL 543/23, que prevê o pagamento à mulher do auxílio por incapacidade, sem a necessidade de perícia médica junto ao INSS. Parafraseando Martin Luther King: “Uma das coisas importantes da não violência é que não busca destruir a pessoa, mas transformá-la”.

* Advogado do Contencioso Cível e sócio do escritório Alexander Faria Sociedade de Advogados – [email protected]

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