14 de fevereiro, de 2023 | 15:00

Opinião: O segredo...

Nena de Castro *

O vale amanhecia. Raios de sol afugentavam a neblina e a vida regurgitava, com o alarido dos pássaros, o mugir do das vacas e o barulho das águas da pequena cascata que caíam alegremente sobre as rodas do monjolo. Da chaminé da casa simples saía fumaça das chamas do fogão à lenha e pela janela o cheiro de café recém coado abria o apetite, estômago roncando. Enquanto esperava o café escorrer pelo coador preso no mancebo de madeira, Donana retirava a broa da prateleira, os biscoitos de polvilho, o queijo. O leite fervia na panela de ferro.

Tudo foi colocado na mesa, assim como as canecas azuis. Daí a pouco entrou o marido Marcolino, alto e magro, chapéu na cabeça e roupas de trabalho, preparado para mais um dia de labuta na roça. Sentou-se no banco enorme de madeira e se serviu de café. Donana também se sentou, ela podia ter muito serviço, mas tomava café junto ao seu marido antes que as crianças acordassem e a trabalheira começasse. Ele sorveu o café, comendo um pedaço de broa com queijo, mastigando devagar; levantou-se após terminar, recolheu a matula preparada por ela e saiu em busca do cavalo que lhe serviria de companhia nos trabalhos do dia, refazendo a cerca da propriedade. Arreada a montaria, montou e partiu a trote, acenando para a esposa.

A mulher respondeu ao aceno e foi ao quarto pegar o menorzinho que chorava ao acordar. Trocou a fralda, colocou-o para mamar enquanto chamava os mais velhos para se prepararem, tinham que ir para a escola. Ana, José, Joaquim e Terezinha se aprontaram depressa, a irmã mais velha comandava os outros, deviam caminhar depois do café até o grupo escolar, que ficava após o morro, na entrada da vila.

Abençoou os meninos, recomendou cuidado na caminhada, colocou o bebê no caixote forrado com um lençol e iniciou a labuta. Ensaboou as roupas, levou água para dentro de casa, tratou das galinhas e porcos, varreu o terreiro e deu início ao almoço. Fez arroz, feijão, taioba, carne de lata, angu e inhame ensopado.

As horas voavam e ela, parando para atender ao nenê, se apressava para dar conta de tudo. Quando as crianças chegassem, após o almoço, ajudariam nas tarefas de casa.
Assim era sua vida, e ela se sentia feliz, realizada, criando os filhos e ajudando ao marido, homem trabalhador e bom para a família. Olhou para o lado do paiol, onde ficava o milho, algumas vasilhas velhas, sacos de feijão...Atrás dele, havia um pé de ipê roxo, que dava um tom florido ao quintal.

Fora ali que enterrara o homem que ameaçara seu marido, querendo tomar-lhe a terra. Ela o chamara secretamente para um encontro bem tarde da noite. O homem aceitara e viera pensando em romances e outros que tais, mas ela saíra de trás do paiol com uma foice. No dia seguinte plantara pés de cravo, beijo e malva na terra...E a vida continuava, com Donana trabalhando muito, cuidando do marido, dos filhos e da casa. E guardando para si o que fizera. Era o seu segredo, enquanto as águas corriam, os pássaros cantavam e o sol fazia rebrilhar as pedras e visitava o verdejante quintal...

* Escritora e encantadora de histórias

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