10 de janeiro, de 2023 | 15:00
Opinião: O que está decidindo o Supremo sobre demissão?
Maria Inês Vasconcelos *
Não se pode mais demitir? Essa é a grande polêmica das últimas semanas, vinda à tona pela provável votação da Ação Direta de Inconstitucionaldade 1.625 (ADI) 1.625., ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ação que questiona o Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que denunciou unilateralmente (revogou) a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada e promulgada, respectivamente, pelo Decreto Legislativo nº 68/1992 e Decreto nº 1.855/1996. Um jogo de empurra no órgão, que ao longo desse período recebeu vários pedidos de vista da ação, fez com que o julgamento fosse protelado por mais de 25 anos.Onde está a polêmica? O que está realmente em jogo?
Mas o que diz a convenção 158? Em síntese, e evitando verdadeiros desesperos ou esgotamentos a referida convenção dispõe as dispensas só serão consideras válidas se forem devidamente justificadas. Ela não impede dispensas. Assim, a partitura que se compõe na mídia em relação a proibição ou vedação do patrão demitir um empregado, está em discronia e abandona o nosso atual modelo legal: as dispensas não precisam ser motivadas.
O afundamento voluntário, em que nos metemos quando suscitamos por mero descuido ou desinformação e saímos por aí aderindo aos boatos sobre a nova composição sobre do tema é mera galantaria. Até agora nada mudou. A Adin não foi julgada. Há um mar de interrogações.
Uma colocação primária: o maior dos direitos fundamentais do Direito do Trabalho, é justamente o da liberdade. A liberdade de pôr termo à relação de trabalho de duração indeterminada é uma garantia fundamental assegurada pela Convenção n. 29, de 1930, sobre o trabalho for¬çado, e pela Convenção n. 105, de 1957. O trabalho é livre. Esse é o único facho que provém dessa janela. Nessa sequência de raciocínio todo trabalhador pode se demitir e deixar o emprego quando quiser. E o patrão também, sem justificativas, desde que não seja por justa causa.
Hoje paga-se aviso prévio, se a demissão for sem justa causa. O aviso prévio é uma espécie de compensação pelo custo da dispensa e a ele se seguem a multa do FGTS e o saque do Seguro Desemprego.
O art. 7o, inc. I, da Constituição Fede¬ral de 1988, que versa sobre a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa , prevê, como compensação por esta, unicamente, uma in¬denização. Portanto, nada mudou. Brasileiros, entretanto, antecipam angústias dando corpo e voz à possibilidade de dispensa motivada, principalmente os patrões. Os ônus serão muitos e enxerga-se uma tendência na redução de novos postos de trabalho formais.
Pontue-se que Brasil manteve o forte ritmo de geração de empregos com carteira assinada, alcançando um saldo positivo de 218.902 vagas formais, dando continuidade ao bom desempenho do ano de 2022. No acumulado até julho, o Brasil gerou 1.560.896 novos empregos formais, segundo o site da previdência social.
No momento não há qualquer alteração para o procedimento das dispensas. Estão intactas as práticas de contratação e dispensa. Mas é bom lembrar que a motivação da dispensa é praticada em muitos países da Europa e que o mundo inteiro enxerga que o trabalho vem sendo massacrado pelo capital e outros vetores alienantes, como a tecnologia e a flexibilização excessiva. Afora isso, oito ministros já apresentaram seus votos que formam um placar de seis a dois a favor da tese de que o presidente tem direito de remover o país de convenções internacionais sem que antes necessite de aprovação do Congresso.
Entretanto, a primeira experiência de ratificação da Convenção n. 158, há 12 anos, não foi bem-sucedida. O ônus econômico-financeiro que sua aplicação do artigo 7º, inciso I acarretaria aos empre¬gadores, com a restrição ao seu poder de comando no que tange, especialmente, à despedida arbitrária ou sem justa causa, nos leva a uma reflexão socioeconômica para avaliar se seu conteúdo seria compatível com a atual conjuntura social e econômica de nosso país.
A grande presença da" lei" na estruturação do mercado de trabalho, as propostas de maior desregulamentação em voga no Brasil são, por um lado, particularmente atraentes ao debate público, sobretudo após a reforma trabalhista. A revivificação da convenção 158, realmente comporta dois ângulos. Há aqui um grande contraponto.
Para o trabalhador a proteção contra a dispensa representa segurança porque o salário tem natureza alimentar. Para o patrão as consequências econômicas serão brutais. Mas o que mais chama atenção é que na prática, a arqueologia da experiência de implantação é de insucesso. Não correu bem, o que leva a refletir em face do caráter traumático daquelas circunstâncias indagar se ratificar esta Convenção é ou não regressão, eis que lá atrás gerou só polêmica e foi denunciada no mesmo ano de sua incorporação ao ordenamento jurídico pátrio.
A pauta que deverá ser retomada em breve pelo Supremo Tribunal Federal (STF) realmente pode provocar uma revolução nas relações de trabalho. Há uma expectativa de que o órgão opte pela inconstitucionalidade do Decreto nº 2.100/96, o que automaticamente faria revalidar a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A possibilidade da inconstitucionalidade é bastante verossímil pelo percurso já traçado.
E é isso que está em jogo no STF, resta-nos acompanhar.
* Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

















