02 de setembro, de 2022 | 14:00

O 5G não pode ser ficção científica para o meio rural

João Guilherme Sabino Ometto *

O cenário é uma pequena e produtiva propriedade agrícola, localizada em área remota do interior brasileiro. Carlinhos, menino inteligente, estudioso e transbordante de sonhos para o futuro, não conseguiu acompanhar as aulas online durante a pandemia, não pode pesquisar bibliotecas digitais ou interagir virtualmente com professores e a escola, pois não tem internet em casa...

O personagem é de ficção, mas expressa a mais dura e tangível realidade revelada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira): 40% das escolas do campo contaram apenas com apostilas físicas para seus alunos no período em que ficaram fechadas. A situação, danosa ao aprendizado, prejudicou mais de dois milhões de estudantes, que seguem defasados no retorno às aulas presenciais.
O drama vivido por essas crianças e adolescentes tem a mesma causa que impede seus pais de utilizarem tecnologias hoje muito importantes para a agropecuária. O acesso à internet no meio rural é uma séria deficiência do setor, conforme mostra o Censo Agropecuário (IBGE) de 2017. Mais de 70% das propriedades não possuíam conexão.

A situação, infelizmente, permanece praticamente inalterada, como é possível avaliar nos dados gerais revelados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação: nos meses anteriores à eclosão da Covid-19 no Brasil, 2,64 milhões de famílias estavam excluídas da Web e 39,8 milhões de brasileiros de 10 anos ou mais de idade não usavam a rede.

O problema precisa ser resolvido com urgência, a começar pelo fato de que a exclusão digital impede as pessoas de contarem com informação, conhecimento, educação a distância, e-commerce e numerosos serviços do Estado e das empresas. Não podemos discriminar uma parcela de nossa população, majoritariamente representada pelos habitantes do campo, no contexto de um direito exercido por todos os demais habitantes. Tal estratificação não é ilegal, embora se possa cogitar que a inclusão seja crucial para a educação, esta sim um dever universal do Estado, segundo nossa Constituição. De todo modo, essas diferenças ferem os preceitos éticos e filosóficos da democracia. Lembro-me de que há décadas já nos preocupávamos em alfabetizar nossos colaboradores rurais e, em uma cerimônia de formatura, qual não foi a surpresa quando até o administrador da fazenda recebeu seu diploma.

“A situação, danosa ao aprendizado, prejudicou
mais de dois milhões de estudantes, que seguem
defasados no retorno às aulas presenciais”


Quando lançamos um olhar na produção agropecuária, os gargalos das telecomunicações têm impacto direto na produtividade e no grau de sustentabilidade do setor. Com o advento do 5G no Brasil, que vem sendo implantado paulatinamente Estados, devendo estar presente em todo o País proximamente, os ganhos para o meio rural serão muito grandes. Drones terão operações ainda mais amplas e eficazes, otimizando a agricultura de precisão. Monitorarão ainda mais as culturas e identificarão, por meio da inteligência artificial, plantas infectadas. Assim, é possível aplicar de modo localizado os defensivos agrícolas, o que proporciona economia e ganhos ambientais.

A operação remota de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas autônomos, com aumento do horário de trabalho, é outro fator que agregará produtividade. Os próprios equipamentos farão o reconhecimento de trajetos, com sensores capazes de coletar dados como umidade e temperatura, alinhados em tempo real à previsão do tempo. O 5G também permite a conexão de sensores ao solo, às plantas e aos animais e controle remoto inteligente da irrigação. Todos os dispositivos estarão interligados à nova rede de alta velocidade, operando por meio da chamada internet das coisas.

Dentro das porteiras, teremos aplicativos para a gestão empresarial da fazenda, bem como tecnologias de monitoramento agronômico da lavoura, genética de animais e genômica (variedades de novas de plantas). No plano externo, será possível a rastreabilidade de toda a cadeia, como a da produção de gado e soja, por exemplo, logística e destino dos produtos comercializados.

A agropecuária, com certeza, é um dos setores nos quais o 5G terá maior efeito disruptivo e transformador. Todas essas possibilidades não são mais ficção científica. Entretanto, precisam fazer parte da vida real dos produtores rurais brasileiros. Os que têm mais dificuldade de acesso à rede são os pequenos e médios, responsáveis por parcela expressiva da produção nacional de alimentos.

Assim, é decisivo que a nova tecnologia cubra de modo amplo o território nacional, levando em conta que persistem numerosas áreas ainda sem o 4G. Ou seja, exige-se esforço redobrado, mas prioritário. A inclusão digital é indispensável atualmente para a educação, democratização de oportunidades, exercício profissional e o êxito dos negócios. É inadmissível que um dos gigantes da agropecuária mundial continue deixando imenso contingente de crianças, mulheres e homens alijado desse direito.

*Engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos -- EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).


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Comentários

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Tião Aranha

09 de setembro, 2022 | 20:18

“Bom texto. Toda nova tecnologia tem um preço para transformar um sonho em realidade. Risos.”

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