02 de agosto, de 2022 | 13:00

Caminhando...

Nena de Castro*

É noite. Maria caminha pela estrada. Nada leva nas mãos, apenas caminha. Fora encontrada certa manhã por uma mulher, cozinheira da fazenda, abandonada em uma caixa a beira do caminho. A mulher cuidou dela com carinho. Maria cresceu, tímida, calada. Verdadeiro bicho do mato que só sentia bem perto da fonte que nascia ao pé do morro e escorria pelo vale. Deitava-se no chão, olhava para o céu e falava com o vento. Abraçava as árvores e conversava com elas. Sentava-se no córrego que corria manso e falava com as águas. Tudo isso descobrira a mãe que a recolhera e que a amava. As gentes da fazenda, se não a entendiam, em paz lhe deixavam. Ajudava nas tarefas da cozinha, carregava com cuidado os bebês, lavava suas roupinhas...

E tudo seguia o caminho normal, com um dia sucedendo a outro dia, com as noites barulhentas de ruídos de grilos e canto de aves noturnas, mas aí veio a notícia de que iam levá-la para a casa de uma das filhas do fazendeiro que se casara e morava na cidade. “Não”, gritou Maria, “não vou!” – Mas a mãe lhe disse que devia ir, se estava viva era devido aos seus cuidados e a boa alimentação que os patrões lhe proporcionaram. Vai, minha filha, daqui a um tempo eu vou lhe buscar, mentiu a mãe. Mas Maria tudo percebeu. Então foi, com sua pequena trouxa ao colo, sentada na traseira da caminhonete, pequena e infeliz, olhos arregalados de pavor.

Chegaram à cidade e ela olhou espantada aquele acúmulo de casas e prédios, todo mundo correndo, muitos carros, barulho sem fim, confusão. Depois que todos se aquietaram, saltou o muro e começou a caminhar.

Não sabe se aquele caminho a leva de volta para a fazenda, caminha apenas, tanto chão pra andar, tanto céu por cima, segue andando e se escondendo quando vê luzes de carro. Ela não sente fome ou sede, sente apenas o desejo de ver outra vez as árvores e ouvir a água cantando enquanto desliza pelo leito do rio ou de ouvir a voz do vento.
A coruja lhe pergunta: pra onde você vai, Maria, filha da terra e das árvores, irmã do vento e da água, pra onde você vai?

Maria não responde e apressa o passo, há tanto para andar... É noite de poucas estrelas, não há luar, somente se ouve os passos de alguém que deixa pra trás uma cidade cinzenta e busca o verde que é vida.
É noite, e Maria, filha do nada, caminha...

*Escritora e encantadora de historias

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Comentários

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Tião Aranha

02 de agosto, 2022 | 00:27

“Enquanto o fundador da teoria de Gaia parte, aos 1O3 anos, Maria ainda encontra motivo para viver buscando a paz na Natureza viva. Pra ela, a arte de viver é um ato bastante simples.: Só caminhar. Risos.”

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