
06 de julho, de 2022 | 11:00
O império do senso comum
Daniel Medeiros *
A Ciência sempre precisou ser rigorosa para evitar erros que comprometessem suas afirmações, o que é fundamental quando se trata de questões que envolvem a vida, o futuro, a educação, a segurança das pessoas. Porém, com o tempo, a linguagem cifrada, altamente erudita da Ciência, levou o cidadão comum a deixar de acompanhar ou se interessar pelos seus intermináveis debates sobre o que é certo e o que é errado a respeito das coisas que fazem parte de suas vidas. Na verdade, a Ciência não faz esse debate, mas é assim que parece ao cidadão comum: certo ou errado. Comer isso ou aquilo, agir assim ou daquele jeito, preservar isso ou não, acreditar nisso assim ou assado.Os dados e os longos arrazoados dos cientistas - que desmentem essa dicotomia, que demonstram que a vida é muito mais complexa e matizada - não estão ao alcance do cidadão médio e boa parte dos próprios cientistas se recusa a esclarecer as coisas de maneira mais clara e direta, sob a alegação de que o cidadão médio não entenderia mesmo.
Diante desse fosso intransponível de conceitos e termos inalcançáveis, resta ao vulgo, quando muito, para parecer ter alguma compreensão das coisas, repetir os clichês reducionistas do tipo Freud explica”, ou é melhor ser temido do que amado” ou ainda, - sem que pareça ironia - Penso, logo Existo”. É o império do senso comum contra a pequena república das ideias demonstradas com rigor. Esta é a guerra que está em curso.
Com as mídias sociais, a explicação de qualquer coisa, de natureza científica ou não, foi limitada pelo número de caracteres, o que dificultou mais ainda a vida dos acadêmicos, dos pesquisadores e dos poucos mas empenhados cientistas em sua tarefa de divulgar seus conhecimentos para o grande público. Como fazê-lo? Para muitos, diante das circunstâncias, o melhor é não fazê-lo, afinal, a mídia social não foi feita para conversas dessa natureza.
Com as mídias sociais, a explicação de
qualquer coisa, de natureza científica ou não,
foi limitada pelo número de caracteres”
Mantenhamo-nos em nosso espaço e os interessados que venham a nós, pois que não dá mesmo para explicar ao leigo coisas tão complexas e sofisticadas. Assim pensam muitos intelectuais das mais diversas áreas. E o império do senso comum agradece e avança sobre as fronteiras das cidades.
O problema é mais grave quando sabemos que as redes sociais se tornaram a consciência viva de parte bastante considerável da humanidade. Tudo o que existe, existe porque está lá. E graças a essa plataforma de extensíssima amplitude, velhas falácias medievais voltaram à moda, como o terraplanismo, por exemplo, ou a desconfiança das vacinas. Os cientistas - não tantos quanto o que se poderia esperar ou desejar - chegaram a se manifestar, destacando a irracionalidade desses mitos e avisando dos perigos para as pessoas em não confiar na Ciência. O problema é que, afogados em imagens e textos curtos, em memes e teorias da conspiração nos grupos familiares, o cidadão comum não chegou sequer a ouvir esses alertas. O algoritmo desses grupos não importou essas publicações que ficaram restritas às bolhas dos que já sabem e cujo saber não impacta nada nem ninguém.
O império do senso comum chegou também à Política e à Cultura. Ler sempre foi visto pelo cidadão comum como uma coisa pretensiosa, distante de sua realidade de trabalho duro e prazeres simples e tradicionais. Um teatro de comédia ainda vai, um filme de ação, uma novela com bastante drama, mas um livro com inovações estilísticas, fluxos de consciência intensos, quebra da temporalidade, neologismos e citações filosóficas, não, isso não é importante, não é coisa da gente”, não faz parte do nosso mundo”.
O ressentimento dos intelectuais, com suas verdades" difíceis de entender, também contribuiu para o avanço do império do senso comum. "Por que a verdade deles tem mais valor do que a nossa? Afinal, o que pensamos é o que todo mundo pensa, desde sempre, e agora vem essa história de que não está certo? Gente pretensiosa, vive querendo humilhar o sujeito simples e trabalhador, enquanto levam uma vida suspeita, sem valores, sem religião."
As redes sociais beberam até a última gota desses discursos e formaram uma malha de trama fina e resistente que se espalhou por todos os lugares, prendendo a atenção de velhos, jovens e crianças, enquanto a Ciência e o pensamento crítico não entendiam nada e não faziam muito esforço para entender, exceto por meio de textos e discursos complicados e voltados para os iniciados.
Hoje, o que vemos, é uma estratégia de terra arrasada dos representantes do senso comum substanciada em verdades" como: polícia tem de agir sem medo contra os bandidos, por isso precisa de exclusão de ilicitude; escola tem de ser um lugar para disciplinar as crianças e jovens, por isso tem de ser militarizada; universidade é um antro de arruaceiros e degenerados, que não merece verba dos impostos dos cidadãos que trabalham; cuidado com o meio ambiente, proteção aos indígenas, tudo é conversa para atrapalhar o progresso, a produção e a geração de empregos; mulheres, negros, LGBTQA+, é tudo retórica divisionista para enfraquecer a ideia de Nação e de Pátria, afinal, somos só um povo, de gente ordeira, cristã e trabalhadora e não há esse negócio de racismo e preconceito por aqui, basta que cada um respeite a tradição e os costumes da maioria e pronto, não tem briga nem nada.
A marcha do império do senso comum é sólida e ligeira. Como lutar contra isso? Como desmontar as falácias que sustentam essa violência e essa discriminação? Essas são as perguntas que importam, para além de toda a divergência teórica ou debate crítico em torno da questão. Quem sabe, diante do abismo, os intelectuais deem as mãos e compreendam o ponto comum que os separa - e a nós todos - do fundo do abismo. Só então poderíamos vislumbrar alguma possibilidade de saída.
* Doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo. [email protected] / @profdanielmedeiros
Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
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Tião Aranha
06 de julho, 2022 | 11:57Hoje era às 7 hs da manhã, quando, depois de pastar a noite inteira, /eu flagrei a cena de um cavalo deitado/, muito tranquilo, atento e curtindo a paisagem verde do gramado, do escritório central da Aperan - cartão turístico principal da cidade de Timóteo- MG. Joguei algo inédito nas redes sociais. Engraçado, nem precisa estudar Bachelard para entender que até um animal procura reencontrar seu paraíso perdido. ( Vou atrás dele! ). Risos.”