26 de junho, de 2022 | 10:00

Abuso sexual infantil é um grave problema da nossa sociedade, alerta juíza aposentada

Marcello Casal/Agência Brasil
Para advogada, ex-juiza, à criança grávida não foi dado, inicialmente, o direito de ter uma escuta qualificada na Justiça Para advogada, ex-juiza, à criança grávida não foi dado, inicialmente, o direito de ter uma escuta qualificada na Justiça

O caso da menina de 11 anos, de Santa Catarina, que engravidou após estupro e teve o aborto legal negado, inicialmente por uma juíza, ganhou repercussão nacional na semana que passou. A menina teve o direito ao aborto legal negado, no hospital, por estar com 22 semanas de gestação e, durante uma audiência, foi incentivada a prosseguir com a gestação pela juíza Joana Ribeiro Zimmer. A criança foi levada para um abrigo público, uma decisão que partiu também da magistrada.

Entre os argumentos adotados pela juíza, o aborto não poderia ser realizado, porque o Ministério da Saúde estipula um período máximo de gestação para a interrupção de 22 semanas. “A questão jurídica do que é aborto pelo Ministério da Saúde é até as 22 semanas. Passado esse prazo, não seria mais aborto, pois haveria viabilidade à vida”, afirmou a magistrada. A decisão foi contestada e alvo de recursos. Com a repercussão, Joana foi afastada do caso.

O aborto legal foi realizado dia 22/6, depois que o Ministério Público Federal (MPF) enviou ao Hospital Universitário (HU) Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma recomendação para que realizasse o procedimento, independente de tempo gestacional ou autorização judicial. O caso levantou discussões e reflexões acerca do assunto. Em entrevista concedida ao Jornal Diário do Aço, a juíza de Direito aposentada e advogada especialista na defesa da mulher, Maria Consentino, falou sobre o tema.

Falta de sensibilidade

Arquivo Pessoal
Juíza aposentada explicou, durante entrevista, que a menina tinha direito de realizar o abortoJuíza aposentada explicou, durante entrevista, que a menina tinha direito de realizar o aborto

A juíza aposentada avaliou a atitude de Zimmer como lamentável e fez considerações sobre a condução da audiência. “À criança não foi dado o direito de ter uma escuta qualificada. Ela colocou a criança com diálogos e perguntas totalmente inapropriadas”, observou.

Para Maria Consentino faltou sensibilidade. “Foram todos atos arbitrários. Porque a criança, independentemente de convicção pessoal, ela foi vítima de estupro, ainda que o estuprador seja um menor também”, disse.

Direito

A advogada afirma que a menina tinha o direito de realizar o aborto. “Ela tinha o direito já, preenchido pela lei, adequado a lei, um direito subjetivo de ter realizado o aborto porque ela foi vítima de um estupro”, explicou.

Consentino acredita que a juíza que estava à frente do caso se baseou em crenças pessoais. “A juíza, usando suas crenças pessoais, quis impor o seu entendimento pessoal acima da lei, isso não é permitido ao juiz”, observou. Dessa forma, a juíza aposentada avaliou que houve abuso de autoridade. “Pra mim a conduta é arbitrária e toda arbitrariedade configura abuso de autoridade”, definiu.

Rede de proteção

Por fim, a defensora dos direitos das mulheres alertou sobre a necessidade de criação de uma rede que possa proteger crianças vítima de violência sexual. “O abuso sexual infantil é um grave problema da nossa sociedade sem nenhuma discussão, sem nenhuma rede de proteção. As crianças estão desprovidas de uma rede de proteção, por exemplo, como as mulheres que possuem uma rede de proteção para as vítimas de violência”, concluiu.


Psiquiatra explica que criança não está preparada para uma gestação

Leca Novo
Jaqueline Bifano, médica psiquiatra infantil, afirma que em casos como este da menina de SC, a vítima precisa de acolhimento  Jaqueline Bifano, médica psiquiatra infantil, afirma que em casos como este da menina de SC, a vítima precisa de acolhimento

Em entrevista à reportagem do jornal Diário do Aço, a médica psiquiatra infantil, Jaqueline Bifano, falou sobre os danos psicológicos pelos quais a menina de 11 anos poderá enfrentar depois do estupro, gestação, exposição social e aborto.

A médica explicou que uma criança não está preparada para uma gestação. “A menina não está pronta para ter um filho com 11 anos de idade, principalmente um filho que é fruto de um abuso”, declarou. A especialista complementa esclarecendo que prosseguir com a gestação poderia acarretar em mais consequências. “Manter a gravidez poderia gerar danos a menina como quadro de depressão, quadro de ansiedade”.

Durante a carreira profissional, a médica conta que já atendeu crianças que foram vítimas de abuso. A psiquiatra infantil sabe bem que esses pequenos carregam consigo sequelas. “Eu percebo que fica uma sequela, de rebaixamento de humor, de sentimento de culpa. A pessoa fica se sentindo com menos valor do que as outras pessoas, sentimento de menos valia”, descreveu.

Jaqueline explica que, em casos como este de Santa Catarina e de outras situações de estupro e abuso, as vítimas precisam principalmente de acolhimento. “A gente tem que acolher essa criança. A gente acolhe, recomenda a psicoterapia, dependendo se o quadro de depressão for um quadro mais grave também tem que usar medicação. Mas o atendimento tem que ser de acolhimento, acolher aquela angustia, acolher aquela tristeza e tratar da melhor forma possível”, reforçou a médica.
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