22 de maio, de 2022 | 11:00

O Golpe de Estado de novembro de 1955 e as eleições presidenciais de 2022

Hiltomar Martins Oliveira *

Em outubro desse ano, teremos as eleições para presidente da República, governadores de estados, Distrito Federal, senadores, deputados federais e estaduais. Todavia, entre alguns estudiosos da vida política nacional, tem-se ventilado a ideia que o pleito eleitoral desse ano se encontra seriamente ameaçado pelas manobras, atos, avisos e discursos do próprio presidente da República, colocando em dúvida a segurança e lisura do processo eleitoral.

Nesse momento delicado que o país atravessa em sua vida política, julgo necessário resgatar a memória do golpe de Estado de novembro de 1955 e suas consequências para a história do Brasil. Suas lições podem nos levar a refletir maduramente para tomadas de decisões importantes que impactará a todos, hoje e amanhã.

Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas acabara de se suicidar e uma comoção nacional pelo triste desaparecimento do presidente tomou conta do país. Logo, assume o vice-presidente Café Filho, que, inicialmente, enfrentou uma séria conjuntura política cumulada com uma situação financeira difícil: o resultado das eleições parlamentares de 3 de outubro de 1954 mostrou um forte avanço do PTB e o recuo eleitoral da UDN, partido que dava algum apoio ao governo e o PSD, um partido “em cima do muro”, mantinha-se em termos de representação no mesmo patamar anterior.

Café Filho não era um nome representativo da aliança PSD-PTB, a qual havia feito quase todos os presidentes de 1945 a 1964 e, dessa forma, o presidente não obteve apoio político para expurgar da máquina administrativa os herdeiros do getulismo que lá estavam incrustados. Entretanto, mesmo com um governo fraco, sua gestão foi capaz de imprimir um forte direcionamento na economia. Seu ministro da Economia, Eugênio Gudin, conseguiu imprimir uma forte orientação monetarista aos governos futuros. Mesmo de uma forma indireta, patrocinou uma mudança no padrão de acumulação capitalista no Brasil, ao permitir que industriais brasileiros se associassem a investidores estrangeiros, abrindo-se para aqueles uma ampla gama de facilidades até então inacessíveis. A partir daí ampliou-se consideravelmente o setor de bens de produção, do que se aproveitaria mais tarde Juscelino Kubitschek para implementar o seu plano de desenvolvimento conhecido como “50 anos em cinco”.

“As lições do golpe de 1955 podem nos
levar a refletir maduramente para tomadas
de decisões importantes que
impactará a todos, hoje e amanhã”


Sobrevieram as eleições presidenciais de 3 de outubro de 1955 e o candidato Juscelino Kubitschek obteve a maioria simples, como previsto na Constituição de 1946. Mas os resultados (Juscelino Kubitschek, pelo PTB-PSD: 3 milhões e 77 mil votos; Juarez Távora, pelo UDN, e Ademar de Barros, pelo PSP: 2 milhões 222 mil votos passaram a ser utilizados pela Oposição como fundamento para questionar a legalidade do pleito e a própria constituição. Afinal, os resultados da eleição davam a maioria para a oposição; então, boatos começaram a circular dando conta de que a UDN estava tramando um golpe com vistas a impedir a posse de Juscelino Kubitschek; e a divisão entre as classes políticas e até militares começou a ganhar corpo. Entre os adeptos ao golpe estavam o jornalista Carlos Lacerda e o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz.

No fim do mês de outubro, aconteceu o estopim da crise. No enterro do General Conrobert Pereira da Costa, discursou o Coronel Jurandir Bizarria Mamede, o qual questionou a legitimidade do regime democrático e a própria Constituição por permitir que uma minoria tomasse posse para a presidência da República. O Ministro da Guerra, general Henrique Lott era contrário ao golpe e pediu que o Presidente punisse o coronel indisciplinado, mas Café Filho recusava-se. Não resistindo às pressões pró e contra a punição, licenciou-se da presidência, alegando problemas cardíacos. Então, interinamente, assumiu a presidência o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, o qual não estava disposto também a punir o coronel Mamede.

Em 10 de novembro, o general Lott pediu demissão do cargo de Ministro da Guerra, e após solicitar despachar com o presidente Carlos Luz, e não ter sido atendido, foi informado de que seu pedido de demissão havia sido aceito e o coronel Mamede não seria punido. O golpe contra Juscelino Kubitschek passou a ganhar força.

“Em 2022, novos personagens, novos fatos,
novas narrativas, se inserem naquele script
da trama do golpe de novembro de 1955”


Então, o general Lott tomou a decisão de dar um “contra-golpe”, mesmo contando somente com o apoio do Exército, pois a Marinha e a Aeronáutica já se alinhara aos golpistas. Agindo rapidamente, o Exército, em 11 de novembro de 1955, ocupou os principais pontos estratégicos da Capital Federal do Rio de Janeiro. O presidente Carlos Luz fugiu da sede do governo, o Palácio do Catete, diretamente para o couraçado Tamandaré e dirigiu-se para o porto de Santos, onde contava com o apoio de Jânio Quadros, governador do Estado de São Paulo. Em companhia de Carlos Lacerda, comunicou à Câmara dos Deputados que ainda estava no exercício da presidência.

Mas o Exército adiantou-se e entrou em negociação com as lideranças políticas no Congresso para que declarassem o impedimento do presidente Carlos Luz e indicassem o senador Nereu Ramos, vice-presidente do Senado para o cargo de Presidente do Brasil e assim se fez, com Carlos Luz reassumindo suas funções na Câmara dos Deputados. Nesse meio tempo, o presidente licenciado Café Filho ainda tentou retornar à presidência em 21 de novembro de 1955, mas seu pedido foi rejeitado por ter sido também declarado impedido.

Finalmente, frustrado o golpe de Estado, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência da República, recebendo o cargo do presidente Nereu Ramos, em 31 de janeiro de 1956 e o exerceu até o fim de 1961. As motivações para esse frustrado golpe, todavia, não desapareceram e voltaram a recrudescer com força total, durante o governo de João Goulart. Veio 1964, e daí um novo capítulo da história política do Brasil se descortinou e dele parece que ainda não saímos, como já ressaltei nesta coluna, no ano passado.

Em 2022, novos personagens, novos fatos, novas “narrativas”, se inserem naquele script da trama do golpe de novembro de 1955, como se o seu autor (quer seja escritor ou dramaturgo) o houvesse reescrito, há mais de seis décadas e meia, com a mesma motivação: a insatisfação com a preferência que o eleitorado tem dado a um candidato “inaceitável”.

A História pode até não se repetir, mas conserva para nós a lição de que as motivações para os atos políticos sempre tendem a ser as mesmas, mudando somente as cores, ou os seus tons, a depender das preferências em moda.

* Advogado, escritor e professor de Ciência Política e Teoria Geral do Estado, membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - IAMG)

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