29 de março, de 2022 | 14:27
À moda de Macunaíma...
Nena de Castro *
Veio andando o caboco pela margem do rio trazendo a vara e o embornal com peixe frito com farinha. Chapéu de paia véio e suado na cabeça, pés descalços, zagaia na cintura, enfiada na cinta velha de couro.Escolheu a sombra de uma araçá, acocorou-se e pensou em comer o farnel. Apareceu a Mãe Dágua querendo um pouquim. Faceira, pois ia tentá em paz, achegou-se cantando.
Boas tardes, meu cumpade, tô com grande vontade de peixe comê!
Acá minha cumade, passa depressa, que o peixe é pouco e o trem-ruim tá sorto e vai aparecê!
Zangada, a Uyara percebeu que o matuto era esperto, que o trem não estava dando certo, que a imbira ia rebentá!
-Ô cumpade, dá um poquito, que o periquito já voa em vão! Se tu num dá, canto a mardição! E vem surucucu e boca ocê aí no chão!
-Uyara, corto taquara, pego na vara e dou nas costas, e dou tapão!
-Cumpade, pressa obra, nem perciso da cobra, eu vô na mão! Me dá o peixe cafome aperta, me deixa alerta, que nem gavião.
Peste dos rio, eu tô com frio, quero cumê quero durmi. Em paz me deixa, que tô zangado, tô rupiado, tô incrisiado e vô cabá cocê.
-Caboco xexelento/ me diz o vento que tu qué brigá, que tu gosta de intrigá, quer me abusá. Só quero o peixe, me dá. Senão tu todo vou devorá.
- Ai, bruxa dágua, me poupa a mágoa, senão sou eu a amaldiçoá! Tá me dando sapituca de te devorá e bebê licor de butiá.
- Ai, moço bobo, do canindé, bota reparo, eu sou mulé e sou catita e sou bonita, não quer brincar? E se afaceirou toda, com olho verde de muiraquitã e veio requebrando, se achegando, se derramando, toda de mel e cantano:
Faz três dias que não como
Semana que não escarro,
Adão foi feito de barro
Homi, me dá um cigarro.
O caboco respondeu: Me adescurpe, dona Uyara. Si cigarro não lhe dou;
a palha, o fosfre, o goiano caiu nágua, se molhou.
- Eu tenho, disse a Uyara, tirando dos seios uma cigarreira de pele de mandi. Fumaram, a zanga passou, passaram a contar causos e nem notaram o canto da sururina. Comeram os peixe com farinha e resolveram brincá ...
Então Uyara arreparou que o homi tinha pendurado entre as pernas um quilo de puro ouro e perguntou:
-Qui oiro é esse?
-Ah, é pro home deixá fazê uma iscola pros curumim, disse o caboco.
A Uyara ficou espantada e gritou:
- Caboclo de Taubaté, cavalo pangaré, mulher que mija em pé, libera nós, domine.
Nisso veio pelo corgo, atravessano a pinguela a onça parda, que falou: cês veve amufambado na ignorança, num sabe de nada, vou mandá meus zóios, pra vê o frege. E disse pros seus olhos:
-Vão pro planalto central, meus verdes zóios, depressa, depressa, depressa.
Os olhos foram, mas quando a onça os chamou, haviam sido roubados e ela cega ficou.
E o ouro? Alguém levou. Uyara cantou:
Antianti é tapejara-pirá-uauau, ouro foi pro rio abaixo. Lá pra toca do tatu!!!
E nada mais digo, a não ser: abre o olho enquanto tem, Brasil. Z au revoir.
* Escritora e encantadora de histórias
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Tião Aranha
29 de março, 2022 | 19:26Grande Mário de Andrade: herói sem caráter é o Tião Aranha mais tem neste país. Num ponto eu concordo: ouro no Planalto é o que mais tem. É como um furacão. Tudo que cai lá some. Risos.”