25 de janeiro, de 2022 | 15:15

A jornada

Nena de Castro *


Andou pela trilha que ia da casa até o córrego. As árvores repletas do burburinho dos pássaros, acordavam para o dia. O córrego de águas claras, com pedras maiores e seixos ao seu redor, exercia um fascínio sobre ela. Ficava horas ouvindo o falar da água. Que lhe contava dos amores e rumores do verão.

E dizia que viriam suas irmãs, em turbulência asfixiante e cobririam a terra, levariam coisas, pessoas e animais. Ela não gostava dessas notícias que a deixavam triste. Nessas horas, preferiria não entender as águas, não queria saber, não queria sofrer. Como a água lhe dissera com a voz cantante, a enchente fora terrível.

As paredes ainda tinham as marcas da violência das águas. No entanto, agora o fogo ciciava, crepitava e dava pequenas explosões e estalos, pulando para fora do fogão, em estouros que duravam pouco. Sua falecida tia Verina lhe ensinara que quando isso acontecia, era preciso ”saudar” o fogo, batendo uma acha de madeira contra a outra e cruzando-as sobre a cinza, para prevenir desgraças e mortes por encomenda.

Nunca perguntou à tia por qual razão lhe dissera isso, praticamente não conversavam, mas o olhar da velha curiboca a seguia quando ia para o córrego, com aquele jeito de quem tudo entendia...Passou então a prescrutar os ares, subia nas árvores, ia até a pedra mais alta do morro, queria entender o que se passava, quem sabe impedir ou prevenir a tragédia, o fogo vermelho lambendo tudo, transformando as coisas em cinzas.

E o incêndio veio, feroz, inclemente e a terra ficou toda esturricada... Cansada de tanto sofrer, de “ouvir” e “ver” a voz dos elementos, saiu caminhando pelo vale, em busca de respostas. Pedira ás águas que levassem até o Sábio Dono dos Ventos, o seu pedido de um encontro para tratar dos assuntos de Gaia.

Abrigou-se debaixo de uma pequena árvore, depois da longa caminhada e aguardou com fé. Então veio uma ventania do Norte e assentado nela, vestindo um manto azul, o Sábio e seus pássaros cinza e verde. Ela o saudou com respeito, e em silente voz, inquiriu da aparição o que poderia ser feito pelo clima, pelas águas e matas de Gaia, que estava enferma.

O Dono dos Ventos balançou tristemente a cabeça e falou, também em silêncio, das oportunidades que o homem tinha recebido para mudar de vida e salvar o verde, as águas, o ar, todas desperdiçadas pela ganância e indiferença. Todavia, havia ainda uma chance e a moça devia caminhar procurando a semente de determinada planta, que ficava oculta dos olhos pérfidos e maus e só podia ser vista por alguém que enxergava a luz.

E tudo seria resolvido, os ares seriam renovados, as doenças sumiriam... Deu-lhe então um capuz azul, uma faca de cristal, um lampião dourado e partiu, num redemoinho de vento, para sua morada que ficava longe e oculta dos homens. Então a Guardiã iniciou a busca, cheia de ânimo, iluminada pelos raios das estrelas eternas que nunca perdem a Esperança...

* Escritora e encantadora de histórias

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Comentários

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Tião Aranha

25 de janeiro, 2022 | 22:13

“Visão holística da coisa voltada para a mãe Natureza. O problema são os lunáticos. Risos.”

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