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26 de novembro, de 2021 | 15:14

O legado do vírus

Marco Aurélio Marques Félix *

A teoria evolucionista forjada por Darwin há 150 anos ensina que os animais e as plantas se desenvolvem ao longo do tempo para se adaptar ao ambiente em que estão estabelecidos. É uma reação poderosa da natureza à necessidade intrínseca de todo ser vivo de manter-se... vivo. A sobrevivência é um desejo que está no DNA de qualquer coisa que pulsa no planeta.

À espécie humana, foi dado um bônus extraordinário que a coloca em superioridade sobre qualquer outro terrestre: a capacidade de raciocinar e de se reinventar, utilizando de todas as potencialidades que a natureza permite para manter a própria preservação. Foi graças a esse complemento que o homem encurtou caminhos e alcançou longas distâncias; que fez nascerem novas espécies ao mesmo tempo em que exterminou outras; que fez surgir e extinguir doenças.

E é nesse contexto que precisamos refletir sobre os efeitos da pandemia para a humanidade. O novo coronavírus é fruto da manipulação humana, mas também é das mãos humanas que surgiram as vacinas. De acréscimo, fizemos girar a roda evolutiva da ciência e experimentamos nosso real poder de adaptação ao caos global inesperado e instantâneo. Das imensas às micro sociedades, todos passaram por um grande teste de sobrevivência, e se viram obrigados a evoluir em diversos aspectos.

É verdade que houve a turma dos reprovados. E, evidentemente, não me refiro aos milhões de mortos pela doença. As imagens do retrocesso serão entronizadas com as figuras de autoridades que tinham a caneta na mão para trabalhar em favor do avançar da vida – e não contra, como vimos em certos casos.

Um momento representativo foi a falta de cilindros de ar para os pacientes de Covid-19 nos hospitais de Manaus, por exemplo. Ironicamente, uma calamidade que atingiu em cheio as vias aéreas de quem tinha o privilégio de viver rodeado por uma floresta que carrega consigo a alcunha de ‘pulmão do mundo’.

"A vida em sociedade e o amparo
ao próximo exigem que repensemos
nosso senso de sociedade"


O grave problema revelou o descompasso de políticos que detêm a chave financeira que liga o motor da ciência e, portanto, da própria evolução. Se em alguns lugares houve grandes avanços, em outros a doença deflagrou que a vida ainda está em risco por haver dirigentes que não conseguem ou não admitem compreender a diferença entre humanos e cobaias.

Como explicar a falta de investimentos em saúde? Como compreender a existência de hospitais públicos entregues às traças, sem o suporte devido do poder público? Como justificar as cargas tributárias elevadíssimas sobre medicamentos e aparelhos avançados, que poderiam garantir aos hospitais públicos e privados condições mínimas para salvar vidas que parecem cair por entre os dedos?

Entre muitas espécies de animais que vivem em manadas e que servem de comida para predadores, o senso de comunidade se esvai diante de um ataque à presa. A reação imediata é de fuga, de autoproteção. Numa visão antropológica, a inércia em Manaus, os ataques à vacina, ao uso da máscara e falta de zelo com o ser humano, dentre outros tantos absurdos vistos mundo afora, talvez sejam traços persistentes de hábitos neandertalescos.

São paradigmas que precisam ser quebrados. A vida em sociedade e o amparo ao próximo exigem que repensemos nosso senso de sociedade. O acesso às garantias individuais mais do que nunca deve ser reforçado, especialmente na saúde, na educação, no bem-estar e na segurança. O grande legado do coronavírus, que ainda não acabou, talvez seja uma incerteza não dita, mas que já sabemos qual é. O que sabemos é que, apesar dos grandes avanços da ciência, ainda temos muito a caminhar e que estamos à mercê de governanças descuidadas e descrentes.

* Diretor executivo e fundador da Cmos Drake, fabricante de equipamentos médicos - [email protected]

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