26 de outubro, de 2021 | 16:35
Nada é tão ruim que...
Nena de Castro *
E lá estava eu no hotel, na manhã inebriada de luz em Natal RN, me preparando para tomar meu café. Outros hospedes ocupavam as mesas e cadeiras, todos entretidos em mastigar o breakfast, alguns alimentando crianças, outros sérios, ainda com cara de sono. Com o pratinho na mão, máscara e luvas, olhei para o que parecia ser um bolinho e perguntei pra gentil garçonete.-Menina, o que é esse bolim?
Orgulhosa, ela respondeu com aquela voz cantada que adoro: - É pão de queijo, senhora!
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKkKKKKKKKKKKKKKK!
Pão de queijo? Ré, ré, ré! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!
Todos se assustaram com um ruflar de asas, com as gargalhadas debochadas e um pandemônio se instaurou na sala de refeições. As crianças começaram a chorar, os adultos olhavam embasbacados, uma cadeira caiu, um pires quebrou no chão!
Eu não podia nem queria acreditar! Era Gertrud, a sabiá mais enxerida do mundo, que há anos desterrei para o exílio em Timbuctu, por causa de seu atrevimento!
E além de invadir meu descanso, trouxera consigo as tias Bugra Velha, com arco e flecha e facão e Lady Zefa com um livro na mão, como sempre. (A faca ela esconde na liga).
GERTRUD! gritei assombrada! Mas como? Você estava no exílio! Eu não te chamei, não permiti e você me aparece do nada?
A sabiá infame parou de gargalhar e pousou na janela. Ergueu a cabeça e disparou: - É, eu voltei! O Supremo me liberou! E vou aprontar agora, pelos anos em que fiquei exilada!
- Que tanto de cabeça chata! - disse olhando ao redor! E chamar essa coisa grudenta de pão de queijo, é motivo de guerra!
- Desde quando você é racista, sua praga? Não chame assim meus irmãos nordestinos! Olha o respeito!
O pessoal começou a gritar, o dono do hotel puxou uma peixeira, a moça do café veio com uma frigideira quente e o trem ferveu!
Atiraram uma cadeira na desabusada, ela se esquivou! Apavorada, com medo de ser atingida, pulei no ar e segurei a peste! Apertei seu bico e corri o mais que pude, me escondendo num lote vago que tinha uns arbustos. A tia Bugra queria saber se podia frechar o povo ou usar facão e foi um custo dissuadi-la!
Um carro de polícia passou com a sirene ligada e me abaixei mais, apavorada com a confusão.
Horas mais tarde, suada e arranhada saí do esconderijo, a sabiá com o bico amarrado com embira! Minha família me esperava com nossos teréns que tinham sido atirados na rua!
GER conseguiu afrouxar a embira e começou: Nem falei nada da CPI, nem do coiso, nem do aumento dos preços, nem dos talibãs e já fui censurada! Eu só queria ... ufgm, ufgm gemeu ao ser novamente calada pela fita colante que enrolei nela toda. No bico dei nó de marinheiro com fio de náilon, coloquei a peste numa caixa com dois buraquinhos, pus na mochila e embarquei no avião, morta de medo de ser descoberta e enquadrada pela PF por transporte de droga!
Ai meu Deus! Covid, o país na merda, o coiso, os preços, e, como desgraça pouca é bobagem, a GERTRUD voltou! E nada mais digo!
ZOOM
Um abraço para meus cinco fiéis e pacientes leitores, nesta terça. Voltamos! Trazemos as marcas do que vivemos por esses tempos ruins, perdemos tanto, perdemos tantos parentes e amigos que se foram pra nunca mais! Mundo cão, ignorância fatal!
Um beijo pra João Senna dos Reis, agora em terras capixabas. Uma lágrima por meu amigo dalma, Nivaldo Resende! E la nave va...Z Au revoir.
* Nena de Castro é escritora
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Tião Aranha
26 de outubro, 2021 | 19:24Essa tem história pra contar. Tem que acreditar, Nena; gosto dela contando histórias de Ipatinga. Risos”