01 de setembro, de 2021 | 14:17

Brasileiros ainda não acordaram para implicações da minirreforma trabalhista

Marcelo Campos Neto *

Tratada de forma tímida pela mídia nos últimos dias, a Medida Provisória (MP 1.045/2021) está agendada para ser discutida nesta quarta-feira no Senado. A maioria das pessoas, ao que parece, não acordou ainda para a realidade da mudança de vários pontos na legislação trabalhista, que, em alguns casos, suspende a contribuição ao INSS e pode prejudicar, no futuro, a aposentadoria. E não é só isso. Prejudica a retomada do crescimento econômico, com a retração da distribuição de riquezas por meio dos salários pagos à massa trabalhadora.

Entre outras medidas, a MP 1.045 cria uma modalidade de trabalho sem direito a férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); Outra modalidade de trabalho, é sem carteira assinada (Requip) e sem direitos trabalhistas e previdenciários, dando ao trabalhador uma bolsa e um vale-transporte; Estabelece um programa de incentivo ao primeiro emprego (Priore) para jovens e propõe estímulo à contratação de maiores de 55 anos desempregados há mais de 12 meses. Nesses casos do Priore, o empregado recebe um bônus no salário, mas seu FGTS é menor; a MP aumenta o limite da jornada de trabalho dos que trabalham como mineiros; Reduz o pagamento de horas extras para categorias profissionais como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing; Restringe o acesso à Justiça gratuita em geral; Proíbe juízes de anular pontos de acordos extrajudiciais firmados entre empresas e empregados; Dificulta a fiscalização trabalhista, inclusive para casos de trabalho análogo ao escravo. E, a essa hora, onde estariam as entidades de classe e sindicatos? Que apatia é essa que tomou conta?

A justificativa que mais aparece para a defesa da aprovação da minirreforma trabalhista é uma asneira sem tamanho. Afirmam os governistas que nos Estados Unidos inexistem direitos trabalhistas e brasileiros vão pra lá trabalhar. Tudo bem, mas que tal os empregadores brasileiros começarem a pagar o equivalente em dólar? Que tal eliminar contrato de trabalho com direitos e pagar de 10 a 15 dólares a hora? Qual assalariado que recebe um salário mínimo mensal (R$ 1.100) e em sã consciência não iria querer trabalhar sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas e receber o equivalente a R$ 53 a hora trabalhada? Ou seja, R$ 375 por dia?.

A outra questão desconsiderada pelos defensores da proposta é que a minirreforma mira justamente os trabalhadores da base da pirâmide social. Cerca de 45 milhões de trabalhadores e trabalhadoras vivem do salário mínimo no Brasil. A “elite dos trabalhadores” não estaria incluída porque a maioria já atua com outros formatos de contrato de trabalho. E nesse aspecto vale a pena lembrar uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evidencia o quanto permanece desigual a distribuição de renda no Brasil. Na média nacional, os mais ricos chegam a receber 17,6 vezes mais que os mais pobres. Na divisão por capitais, essa diferença chega a 34,3 vezes.

Desde os primórdios da Economia como ciência, a distribuição da renda sempre foi um de seus principais temas. E no Brasil o avanço do liberalismo econômico finge não saber disso. Mas é bom lembrar que Economia é uma ciência exata, como a Matemática. Podemos ter um crescimento econômico concentrador, mantendo a economia extremamente fragilizada, inflacionária e inibindo a participação dos salários, como temos hoje ou mudar isso e adotar uma dimensão distributiva. Essa é uma decisão essencialmente política. Resta saber se o governo do presidente Jair Bolsonaro tem essa vontade. É preciso construir acordos sociais que promovam o ganho, não que reduza o ganho da força de trabalho. Caso contrário, o crescimento econômico poderá fazer uma distribuição que agravará a desigualdade, como foi nos anos 1970 e 1980.

* Articulista, professor aposentado

Obs: Artigos assinados não reproduzem, necessariamente, a opinião do jornal Diário do Aço
Encontrou um erro, ou quer sugerir uma notícia? Fale com o editor: [email protected]

Comentários

Aviso - Os comentários não representam a opinião do Portal Diário do Aço e são de responsabilidade de seus autores. Não serão aprovados comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes. O Diário do Aço modera todas as mensagens e resguarda o direito de reprovar textos ofensivos que não respeitem os critérios estabelecidos.

Renan

02 de setembro, 2021 | 13:45

“Sou do Paraná e de um tempos pra cá passei a visitar a página desse jornal rotineiramente. Artigos bem fundamentados, atuais e com a necessária força no palavreado tão necessária ao jornalismo atual e ao mesmo tempo cada vez mais rara.”

Envie seu Comentário