10 de junho, de 2021 | 14:27

Quando a constituição vira mito

Maria Inês Vasconcelos *

“Algumas escolas brasileiras não têm sequer um interruptor, então, de que adianta chegar lá um computador?”

Na metáfora usada por Platão para explicar o conhecimento e o governo dos sábios, é bem encaixada no fato social da atualidade. A Constituição Federal diz que o ensino é para todos e prega uma inclusão que seria feita por meio da tecnologia. O Estado determinou o ensino à distância. E o que se vê são várias negociações entre entes públicos e privados para a retomada das aulas presenciais, nesse período de pandemia, com negociações de preservação da saúde de alunos e professores.

Outro ponto a se pensar é na saúde mental do professor, que vem sendo esquecida, descuidada. Os professores nunca se afastaram tanto do trabalho, em virtude de doenças mentais, cujo nexo causal, se estabelece em razão das péssimas condições laborais. Riscos do trabalho que antes eram físicos, decorrentes da própria violência, como tomar um tiro indo dar aulas. Agora, foram deslocados para o campo mental. Então não é só o corpo físico que sofre, o aparato psíquico também está em jogo, em razão das novas alterações na estrutura organizacional do trabalho.
Muito embora dentro desta democracia rachada, o Estado possa decidir o rumo da educação no Brasil, como os cidadãos podemos fazer algumas análises.

A sociedade caminha mais rápido que o direito, isso é fato. A lei, que é o melhor do mundo, como estar próximo do Olimpo, pode apaziguar conflitos, mas no que diz respeito a tecnologia e a velocidade de seu emprego na educação, realmente é impossível acompanhar seu ritmo.

Mas isso não justifica, apenas poder levar a um outro tipo de análise que é a questão da tecnologia e das novas práxis para os docentes, das exigências feita a professores e dos alunos, e de todo arsenal que viabilizar o ensino a distância.

Quando se diz que o ensino é remoto, aqui se deve pensar sim nos calabouços medievais, nas escolas localizadas nos bolsões de pobreza deste país. Algumas escolas brasileiras não têm sequer um interruptor, então, de que adianta chegar lá um computador? Falta de estrutura física é brutal. A lei aqui nesse aspecto é claudicante, eis que não traz um comando, que inclua o diálogo com as duas pontas da ordem judicial, qual seja professores e escolas, e alunos.

A avalanche do ensino à distância que trouxe num bloco só o conceito de Holmes Colin, alto ditado, o domínio de novas tecnologias, sala de aulas digitais. São formas educacionais e altamente alienantes e torna a norma constitucional que traz a educação, como pilar do estado de direito e ainda para todos, oca e anacrônica. O ensino à distância verdadeiramente não é para todos.

Há milhares de excluídos. E para o professor esta conta chegou por meio de cobranças. Ele não foi preparado, não recebeu educação continuada, não possui o dever. Mas tem que ensinar. É aí que se encaixa, no além do muro da escola, a seguinte pergunta: se a tecnologia está presente em todas estruturas sociais, por que não está dentro da escola? O professor, fazendo aqui uma metáfora com princípio de Platão do mito da caverna, está preso dentro de uma sala olhando para um quadro negro, tendo ainda crença de que aquilo é a representação do mundo, mas não é.

O mundo é outro. É um mundo de ignorância das mídias sociais, onde o ato de pensar se tornou mais escasso e o professor cada vez faz mais falta. O professor transfere conhecimento. É aquele que pode mudar verdadeiramente a sociedade pela construção de cientistas juristas e artistas. Por isso, é preciso um olhar mais cuidadoso, para o que ele vem enfrentando neste momento. Políticas públicas, investimentos reais nos ambientes educacionais podem diminuir essa angústia, essa alienação. É preciso salvar o professor. E acabar com esse anacronismo. É preciso sair da caverna para contemplar o sol. Sair para o mundo inteligível, acabar com a ilusão da norma.

* Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora
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