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09 de abril, de 2021 | 09:00

Márcio Rezende: ícone da arbitragem brasileira por mais de vinte anos abre o jogo sobre a carreira

Filho do ex-dirigente do Acesita EC José de Oliveira Freitas, o Juca, ex-árbitro tem o futebol na sua rotina desde a adolescência

Reprodução TV Globo
Márcio Rezende foi árbitro do quadro da Fifa por quase vinte anos e também comentarista na TVMárcio Rezende foi árbitro do quadro da Fifa por quase vinte anos e também comentarista na TV

Seis meses depois de deixar a TV Globo, onde atuou como comentarista de arbitragem por uma década e meia, Márcio Rezende Freitas, 60 anos, concede entrevista ao Diário do Aço, na qual conta toda sua trajetória no futebol. Começou como jogador e, em seguida, enveredou para a arbitragem, transformando-se no principal nome do apito no Brasil desde o final dos anos 1980 até meados da década de 2000, totalizando 23 anos.

Márcio Rezende é filho de José de Oliveira Freitas, o Juca, lendário dirigente do Acesita Esporte Clube (inclusive o estádio da agremiação leva o seu nome), falecido em 1986, e de dona Lindaura, ainda residente no bairro Timirim, em Timóteo. Nasceu no antigo Hospital Nossa Senhora do Carmo, em Coronel Fabriciano, porém é timoteense da gema, onde foi criado até sair para morar em Belo Horizonte e tentar a sorte no futebol, a paixão herdada do pai. Chegou a atuar nas equipes de base do próprio Acesita e do Industrial antes de se transferir para o juvenil do Atlético.

Dono de uma personalidade forte, Márcio Rezende atingiu todos os objetivos que um árbitro pode buscar: integrou os quadros da Federação Mineira de Futebol (FMF), Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e Federação Internacional de Futebol (Fifa), tendo apitado dezenas de decisões estaduais pelo Brasil, diversas finais de Brasileiro da Série A, da Copa do Brasil, uma final de Mundial Interclubes no Japão, inúmeros jogos decisivos da Copa Libertadores da América e de eliminatórias para Copas do Mundo, além de representar a arbitragem brasileira na Olimpíada de Barcelona (1992), na Copa do Mundo da França (1998) e em três Copas América. Na entrevista, conta sua trajetória, o sucesso, as peculiaridades e também seus deslizes, em tempos que nem comunicação via rádio tinha entre árbitro e assistentes.

Início na arbitragem

Embora tenha começado a carreira no futebol como jogador, com passagens por Atlético e América, Márcio Rezende percebeu que não iria ganhar dinheiro no esporte. “Como havia passado em três vestibulares e num teste do antigo Banco Real, optei por trabalhar no banco e não me arrependo disso”, conta o ex-árbitro.

Trabalhando no banco, Márcio representava a Liga Acesitana de Desportos (LAD), presidida à época pelo pai dele, junto à FMF. “O salário no banco era pequeno para manter a faculdade [de Economia]. Então, quando vi um cartaz oferecendo curso de arbitragem, resolvi fazer. Passei em quinto lugar, concorrendo com 150 pessoas, e comecei a apitar jogos infantis e do amador na Grande BH”, lembra o timoteense. “Fiz curso com o professor Juarez em 1981, na Federação Mineira de Futebol. Me espelhei muito no Maurílio José Santiago e Dulcídio Wanderley Boschilia, que nunca entrou com medo no campo”.

Márcio ainda conta como foi a primeira experiência ao apitar uma partida: “O primeiro jogo foi no campo do Santa Cruz, em Belo Horizonte, domingo de manhã, com chuva. Já tinha meu fusquinha ‘Fafá de Belém’, cheguei ao campo e a trave tinha caído, fiquei decepcionado e pensei que não era pra mim. Mas depois vieram outros jogos e fiz carreira marcante no futebol amador, onde fui muito respeitado”, pontua.
Em 23 anos de arbitragem, Márcio Rezende Freitas atuou em 1.184 partidas e, segundo ele, o início no futebol amador foi essencial em sua carreira. “Apitava sozinho nas comunidades e favelas da capital”.

Reprodução TV Globo
Para Márcio Rezende, a principal característica de um árbitro deve ser a coragemPara Márcio Rezende, a principal característica de um árbitro deve ser a coragem
Preparação

Para se dar bem no futebol internacional, Márcio reforça que é importante estar qualificado. “Estudei espanhol e inglês e sempre me comuniquei com os jogadores na língua deles. Num Rússia x Austrália, só um jogador russo falava inglês, então eu só me dirigia a ele pra que ele passasse aos outros o que eu gostaria que fosse feito. Sempre falo isso para os árbitros iniciantes: invista na sua carreira; para quem sai na frente o caminho é menos difícil”, destaca.

Jogos importantes

Márcio Rezende Freitas apitou cinco finais de Campeonato Brasileiro, cinco de Copa do Brasil, além de várias decisões de estaduais na Bahia, São Paulo, Santa Catarina e Paraná.

A estreia dele em Copa do Mundo foi em 1998, no jogo de abertura do Mundial da França, quando os donos da casa encararam a África do Sul. “Deu frio enorme na barriga, mas aí lembrei dos jogos da várzea que apitava. Ferroviária e Sporting que saia tiro pra tudo quanto é lado, aí pensei: como eu não ia apitar aquele jogo que tinha toda segurança do mundo?”, relembra, contando que a atuação naquela partida o qualificou para outro jogo da Copa. “Só não apitei a decisão porque o Brasil disputou a final e fez aquele papelão”, dispara Márcio. O papelão a que ele se refere é a derrota de 3 a 0 para a França.

Erros marcantes

Em duas décadas de futebol, como não seria diferente para nenhum árbitro, a carreira de Márcio Rezende também foi marcada pelas críticas. “Não tem jogo fácil para o árbitro. Só é fácil quando acaba e você não errou”, afirma.

Uma das críticas mais fortes feitas a Márcio Rezende é em relação à validação de um gol impedido marcado por Túlio Maravilha pelo Botafogo, na final do Campeonato Brasileiro contra o Santos, em 1995; e à anulação de um gol legal marcado pelo santista Camanducaia. Na ocasião, o Fogão sagrou-se bicampeão brasileiro. “Nesse jogo eu acabei chancelando o erro do bandeira. Durante meu período de Globo eu quis mostrar isso para o torcedor que está em casa. O árbitro não tem visão de profundidade, só o assistente tem essa visão e de lateralidade. Quando o assistente erra, o árbitro erra junto”, explica Márcio. “Nos jogos que errei fui muito criticado pela imprensa. Você apita aquilo que vê; se acertou, ótimo, não fez mais que obrigação. Se errou, você tem que estar preparado para as críticas”.

Outro jogo marcado por uma grande polêmica foi a partida Internacional x Corinthians, em 2005, que terminou em 1 a 1, resultado que ajudou o Timão a permanecer na liderança e, mais tarde, sagrar-se tetracampeão nacional. Em uma dividida entre o goleiro corintiano Fábio Costa e o volante colorado Tinga, dentro da área, Márcio Rezende não entendeu o lance como pênalti e expulsou o jogador do time gaúcho por interpretar como simulação.

Por coincidência, as duas partidas foram realizadas no Pacaembu, em São Paulo, com os lances polêmicos de Túlio e Tinga tendo acontecido no mesmo lado do campo, com dez anos de diferença. “Vendo hoje, entendo que foram erros de jogo. O que eu poderia mudar é o lance do Túlio, que foi mais fácil porque estava impedido. O restante são lances difíceis e eu permaneceria com a decisão de campo”, garante.

Viagens de camburão

Nem só de lances polêmicos vive o árbitro. Ao relembrar sua trajetória, Márcio Rezende Freitas aponta outras situações difíceis que viveu no futebol.

Em 1993, Honduras e México se enfrentaram nas Eliminatórias para a Copa do Mundo do ano seguinte. À época, o atacante mexicano Hugo Sánchez criticou publicamente o estádio onde a partida seria disputada, o que irritou os torcedores locais, que tentaram invadir o campo para agredir o jogador. “O jogo foi dificílimo, morreu uma criança pisoteada no estádio. Expulsei cinco jogadores, até o treinador do México, mas se expulsasse o Sánchez eles matariam ele fora de campo. Teve polícia e gás lacrimogênio. Eu só consegui sair do estádio porque a polícia pediu que tirássemos [Márcio e os assistentes] nossos ternos e vestíssemos calções, para que fôssemos retirados como jogadores. Fui de camburão até o hotel”, relembra.

Outra viagem de camburão de Márcio Rezende aconteceu após um Botafogo x Guarani, valendo por um Brasileirão à época. “Eu não dei um pênalti para o Botafogo e o presidente [Carlos Augusto] Montenegro insuflou a torcida contra mim. Saí do [estádio] Caio Martins de camburão e, quando cheguei ao aeroporto, o Carlos Alberto Silva, treinador do Guarani, me garantiu que o jogador dele não tinha feito o pênalti”.

Kin Saito/CBF - Cesar Greco/Palmeiras
Márcio elogia Edina Alves Batista e Rafael Klaus como destaques na atualidadeMárcio elogia Edina Alves Batista e Rafael Klaus como destaques na atualidade
Profissionais que admira

Para fazer um bom trabalho em campo, o árbitro precisa confiar em seus assistentes. E é com carinho que Márcio Rezende se lembra de seus colegas. “Me botaram apelido de Cleópatra porque eu só trabalhava com os Marco Antônios: Gomes, Martins, Machado... Gostava muito do Marco Antônio Martins, que trabalhou em quase todas as decisões comigo. Sem tecnologia, a gente se entendia no olhar. Esses bandeirinhas já marcaram pênalti pra mim que eu não vi, e eu marcava com convicção, porque sabia que eles eram bons e confiáveis”, garante.

Sobre os árbitros de hoje, Márcio Rezende considera Edina Alves Batista a melhor. “Ela fez um Brasileiro de 2020 muito consistente e tem qualidade que todos deveriam ter: não tem medo. E o Rafael Klaus também está num excelente nível. Em Minas, temos o Felipe Fernandes de Lima, que tem potencial”.

Para Márcio Rezende, a principal característica de um árbitro é a coragem. “Árbitro medroso tem que ficar em casa. Parte física também é indispensável, além da mental e social. Tem que ser enérgico, não tem que conversar demais”, opina.

“Conto de fadas”

Embora o futebol esteja cada vez mais profissional e com lucros cada vez maiores, quem faz com que as regras do esporte sejam respeitadas dentro de campo não são profissionalizados no Brasil. “A profissionalização do árbitro no país é um conto de fadas, não creio que isso vá acontecer. Eu iniciei esse processo, com reuniões com o ex -presidente Fernando Henrique Cardoso, deputados e senadores. Meu projeto ainda está parado. O amador tem que ter trabalho fora, mas é cobrado profissionalmente”, critica.

Convivência com jogadores

Além de aplicar a regra em campo, o árbitro tem que saber lidar com os jogadores, que nem sempre estão dispostos a terem suas vontades contrariadas. Ao longo de mais de duas décadas de trabalho em campo, Márcio Rezende aponta quem foram os mais reclamões. “Luis Fabiano, Galeano, Renato Gaúcho e Éder. Às vezes você marcava a favor e eles reclamavam, mas tinha convivência pacífica com eles”, relembra.

Os de melhor trato também foram lembrados. “Zetti, Rogério Ceni e Valdo, que era de uma educação inigualável. Tive pouquíssimos problemas com jogadores nesse aspecto”, afirma. “Mais malandro que gostava de se jogar eu cito como exemplo o Edilson Capetinha. Ele já me falou antes do jogo: ‘Márcio, você sabe que com você eu não faço’. Antes do protocolo de se jogar para enganar arbitragem eu já dava cartão amarelo. Expulsei jogador em partida da Libertadores, na Argentina, por se jogar duas vezes. Nunca aceitei esse tipo de conduta porque joguei bola e acho isso nojento”, opina.

VAR e comentaristas de futebol

Em tempos de tecnologia no futebol, Márcio Rezende Freitas se diz favorável ao VAR, mas pondera que o processo precisa ser “azeitado”. “Primeiro o árbitro do VAR tem que saber que não apita o jogo, não tem que interferir a cada lance. As decisões de campo ainda são o mote maior do espetáculo”, afirma. “Os árbitros estão com medo de errar e usam o VAR como amuleto”.

A respeito das críticas da imprensa, Márcio pontua que muitos comentaristas não são tão ferinos com os jogadores quanto são com os árbitros. “Infelizmente, os comentaristas hoje jogam muito com a torcida e criam um desvio de falar do árbitro. Raros têm coragem de criticar jogador. No fim do jogo, a crítica é para o árbitro que não deu o terceiro pênalti, mas não para o jogador que perdeu dois pênaltis, o que é algo covarde”, dispara.

Lance mais difícil

Tendo que tomar decisões importantes em frações de segundos em um jogo com muita pressão das equipes e da torcida, o ex-árbitro aponta como um dos lances mais difíceis do futebol o impedimento. “Porque é muito rápido e o olho humano às vezes não consegue ver, só o VAR”, explica.

“Outro lance complicado é a mão na bola ou a bola na mão. E cada vez que a Fifa muda a regra ela complica mais ainda. E a regra não é clara, isso é mentira, a regra é subjetiva e interpretativa. Por isso há sem número de interpretações. O que deveria haver é uma uniformidade de procedimentos. Mas isso é difícil, a própria Fifa admite essa dificuldade”, resume.

“Minha casa, minha aposentadoria”

Aposentado da carreira de bancário e longe do futebol e da TV, Márcio Rezende curte hoje sua vida em Fortuna de Minas, onde constrói sua casa. “Estou numa cidade pequena, agradável e acolhedora, que vim para ter qualidade de vida. Me organizei para parar de apitar e para me aposentar. Sempre tive uma vida muito dinâmica e ainda não me adaptei a ficar à toa”, conta ele, que apesar de sentir falta do trabalho disse que ainda não recebeu uma proposta que o faça sair do seu projeto “Minha casa, minha aposentadoria”.
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Comentários

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José Geraldo Cruz

09 de abril, 2021 | 13:32

“Grande Márcio Rezende, imenso prazer em falar sobre você! Devo ao Márcio, ao pai dele, o Juca, ao Airton Careca e ao Celso Machado, minha pequena trajetória no futebol profissional. Eles me incentivaram e me conduziram ao Vila de Nova Lima para testes, onde fui aprovado. Não dei continuidade na carreira de atleta por vários motivos, mas sou eternamente grato a eles.
No Acesita Esporte Clube, ele já demonstrava responsabilidade e capacidade mesmo atuando como jogador e já administrava o futebol junto com o pai e alguns diretores de forma excepcional. Todas essas características o moldaram para a carreira posteriormente internacional como excelente árbitro de futebol.

Parabéns Márcio! Você é nosso orgulho, representando de maneira brilhante nossa querida cidade, Timóteo.

José Geraldo Cruz (Piriá).”

Antonio

09 de abril, 2021 | 12:10

“Verdade! Apenas mais um, que mudou o placar de vários jogos importantes, de acordo com sua vontade e opinião, e que depois como comentarista, via nos outros os defeitos dele próprio. Assim é a vida. Nos ensinando que não somos perfeitos, nem donos da verdade.”

Ivanil Corcinio da Silva

09 de abril, 2021 | 10:10

“Amigo de infância encontrei com ele em BH na Av. Afonso Pena em frente ao Café Nice, em meados dos anos 80 e ele me relatou que além do trabalho bancário atuava como árbitro em jogos amadores em Vespasiano. Jamais imaginaria que iria vê-lo com o distintivo da FIFA no uniforme de árbitro um dia. Neste papo,inclusive, ele me falou que a inspiração de sua arbitragem era outro grande amigo nosso aqui da cidade de Timóteo, Efigênio Reis de Meneses. Bons tempos!”

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