04 de março, de 2021 | 14:44

Os desafios de ser mulher em 2021

Maria Inês Vasconcelos *

"O vento não sopra para quem não sabe para onde quer ir"

Ser mulher em 2021 é desafiador. A trade off entre a maternidade e carreira tornou-se mais pesada. E a Covid-19 agudizou tudo. Estamos submetidas a tantas exigências novas, a tantos imprevistos que não temos mais tempo de conviver com uma parte nossa.

Falo aqui da convivência com o feminino. Com o a doçura de ser mulher. A vida etiquetou tanta coisa que não nos tem sobrado tempo para o esmalte, os cachinhos e o pó compacto. Imagina o resto? Aquele restinho de trivialidades que se compunha também de cuidar da beleza, de escolher um creme novo, um vestido sensual, sexo, e outras doçuras.

O mundo deu voltas e estamos agora compactadas, prensadas, espremidas entre várias paredes. São tantos esforços para tudo dar certo, que o medo quase toma conta. Pensamos em fuga.

Mas me deixa falar uma coisa, antes que pareça outra. Se a vida tirou retóricas; e muitos outros temas da agenda, trouxe também outros e até uma nova voz que agora sabemos escutar: estamos menos egoístas.

Do isolamento que nos segregava; saímos menos isoladas; muito mais próximas umas das outras e de quem, pode de alguma forma, nos socorrer. Aliás, todas nós pedimos socorro. Foi necessário. Casadas, solteiras, com ou sem filhos, as mulheres de alguma forma se ajudaram e redescobriram bem a dor e a delícia de ser o que é.

A dor, que é grande, está nessa vida cada vez menos analógica. Nessas escolas fechadas, nas crianças que não param de jogar vídeo game, nestes meninos que não andam mais de bicicleta e nas nossas meninas que só querem dançar no tick tock. Todas essas novas metáforas criadas para nossas crianças. Sofremos quando vemos que o quintal ficou desinteressante. Estamos aflitas no papel de mãe.

Mas não é só a maternidade, o casamento ficou pesado porque não há espaço para drenar conflitos que sacrificam o romance. A paciência é curta e o cansaço enorme. As máscaras criam um sufoco impedindo um comportamento mais espontâneo em todo lugar.

Os desafios chegam como chuva, mas já os consideramos mais superáveis, pois temos agora nova capacitação: a habilidade de mudar e decidir tudo mais rápido. Estamos muito menos engessadas. E aqui abro um parêntesis numa prosa nada machista. O machismo aliás, vem se recolhendo, porque a mulher torna-se menos subserviente a cada dia. Somos mais flexíveis. Geramos e amamentamos nossos filhotes, ainda que o homem seja o forte da história. Elasticidade? – Eles não têm! E aqui, me perdoem, eles também não fazem duas coisas ao mesmo tempo e nós fazemos dez.

Falava de dor e de delícia. Do Caetano Veloso. As delícias estão nas descobertas. Uma série de verbos que estavam guardados embaixo da prateleira subiram de posição. Compartilhar, somar, dividir e emprestar, cuidar das outras. Passamos a nos reconhecer.

Houve sim, o desenvolver de um novo código cultural, em que a associação feminina ganhou destaque. Nasceu um ativismo em termo de amizade entre as mulheres. Quase uma forma de resistência organizada.

Sabemos que o vento pode continuar a soprar trazendo obrigações, alterações no cotidiano e stress. Que o amor anda meio de lado. Mas o vento não sopra para quem não sabe para onde quer ir. E nós estamos decididas como criança que briga por um pirulito a caminhar umas com as outras. Temos um sentido, que chamo de sentido de ligação, onde não há espaço para omissão e ausências.

Estamos juntas. A hashtag (#) é uma pelas outras. Saímos da insuficiência para uma vida mais farta de afeto. Não pisamos mais o mesmo chão. A outra se tornou importante.

* Advogada, pesquisadora, professora universitária e escritora
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