18 de fevereiro, de 2021 | 17:27

2021: o ano do cansaço

João Paulo Xavier *


Hoje, acordei sentindo a parte inferior da minha coluna latejando de dor. Constatei isso enquanto me agachava para limpar o canil: limpei, lavei, fiz carinhos, ‘tratei das criação’ como dizem os antigos.

Tentei dar um jeito nas costas, espreguiçar, alongar, créc-créc pra cá, créc-créc pra lá. Peguei minha caneca de café e fiz o que tenho feito nos últimos 12 meses: parar diante do computador para verificar minha agenda de compromissos, atividades, obrigações, ler notícias, escrever, estudar.

Devido à semana de carnaval, meus compromissos acadêmicos estão mais atenuados. Passo, então, à leitura das notícias. Corro olho pelas páginas do Diário do Aço para me informar sobre o temporal que desabou ontem e nos deixou sem energia no Timirim e, em seguida, visito outro site por meio do qual busco informações específicas sobre a situação da Covid, dos governos, estadual e federal.

Paro no facebook e bocejo. São quase 10h da manhã e já me sinto cansado. 2021 é o ano da geração cansada. Um cansaço que se instaurou, paulatinamente. Veio comendo pelas beiradas ou na crista das ondas nas quais, querendo ou não, surfamos ou tomamos um caldo durante 2020.

Começamos com a maratona pelo papel higiênico que levou multidões às filas dos supermercados. Nesse momento, o clima de medo funcionou activiamente na população que parecia apavorada pela possibilidade de não poder “reinar”, tranquilamente, na intimidade dos tronos de suas casas.

Lanço mais um pensamento, sutilmente, se há uma pandemia, as pessoas vão comer papel higiênico? Realmente, a gente precisa ser estudado. Confesso que ainda hoje não compreendi aquele movimento e torço para que os historiadores, antropólogos, sociólogos, mestrandos e doutorandos possam se debruçar sobre esse fato social e nos explicar o que foi essa “corrida pelo rolo”.

Paralelamente, fomos inundados por fotos, memes e gifs de pessoas higienizando as compras. Luvas, borrifadores e máscaras se uniram pelo objetivo de garantir que o vírus passasse bem longe das compras (que preciso acrescentar, estão cada vez mais rareadas devido à inflação).

Sinceramente, limpar o pacote de arroz nem é minha prioridade. Só quero poder voltar a contemplar a santíssima trindade na cozinha: arroz, feijão e óleo. Se o senhor todo poderoso permitir: O botijão de gás. Houve quem perguntasse ao Yahoo Perguntas: “Posso passar álcool nas verduras?” Bom, como professor digo que não existe pergunta idiota. Existe resposta idiota. Toda dúvida é legítima, mas isso não me impediu de gargalhar.

Adoraria que essa pergunta tivesse sido feita durante uma aula remota minha, ando tão precisado de uma boa gargalhada, mas meus alunos são avatares silenciosos. Por falar em aulas, outro fenômeno arrebatador foram os cursos, as aulas, as palestras de todas as áreas sobre todos os assuntos imagináveis. Teve aulão de zumba, de yoga, de pilates, de musicalização, de teatro e até de meditação. Esta última me deixou encafifado.

Na mesma praia, chegaram as laives; bem, vi o termo escrito assim e pensei, se já deletamos e tuítamos, por que não fazer uma laive? Artistas, celebridades, cantores, professores renomados, humoristas, políticos, autores e uma multidão de pessoas dividiram suas telas no instagram, no youtube, no streamyard, no facebook e onde quer que houvesse espaço para aglomerar digitalmente.

Confesso que adorei no primeiro momento. Para mim, que não ouvia músicas sertanejas, aprendi até a distinguir a Maiara da Maraisa. Como linguista, fico abismado com a capacidade delas de comporem um sucesso musical rimando “nenhum” com “nem tchum”, Pare tudo! Isso é Brasil! Isso dá uma tese de doutorado. Falando em nem tchum, hoje já não consigo ver, sequer, uma notificação no celular. Fui fazer pão. Que desastre! Os meus cachorros, que adoram o pão da padaria, se recusaram a comer os meus discos voadores de borracha. Depois, dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem. Isso era antes, minha gente.

Com o distanciamento, isolamento e a falta de abraço, o jeito que alguns encontraram foi realizar eventos, casamentos, formaturas no jeitinho drive-in. Dei risadinha a primeira vez que ouvi a ideia, mas em seguida agi com respeito por medo de ser cancelado. Cancelaram, cancelei, cancelamos, fomos cancelados. Um amigo, Jefferson, confidenciou: “ olha, eu já acordo cancelado e vou descobrindo o porquê ao longo do dia.” Perguntei o motivo e ele respondeu: “sei lá, as pessoas têm andado tão aflitas e carentes que se a gente não responder uma mensagem no whatsApp na hora que ela envia, a gente é bloqueado, excluído e só não é multado porque não tem como”.

No meio dessa bagunça, nem a fauna escapou. Cobras traficadas, emas apavoradas e até tubarões! A gente poderia rir dos absurdos de 2020, mas fica difícil quando lembramos que o Pantanal mato-grossense teve mais de 40% de sua área e bioma destruídos pelo fogo que atingiu principalmente áreas de floresta e sub-boques. Disseram que passariam a boiada e com isso o horror se tornou o sobrenome do Brasil. A chuva de meteoros de ministros: saúde, educação, justiça, casa civil. Para você que ainda não saiu do Vale do Aço ou do Brasil, eu te informo, lá fora o mundo olha para nós espantado.

Passamos essa vergonha internacional no crédito porque nossa economia está péssima para o pobre, pois os ricos estão ainda mais ricos, aqui. Houve a liquidação de diplomas de doutorado da Harvard University, fake news envolvendo a China, o Jack de Titanic que ressurgiu do fundo do mar para supostamente falar mal da Amazônia, a guerra entre meninos que deveriam vestir azul e as meninas que vestiriam rosa, os pastores e o padre envolvidos em escândalos, crimes de racismo, extermínio das populações negras, destruição de comunidades quilombolas, indígenas sendo ameaçados, expulsos de suas terras e apanhando de servidores públicos que juraram proteger a população.

Tanta coisa e isso foi apenas o primeiro semestre. Festa Junina: cancelada; October Fest: cancelado; Parada Gay: cancelada. Natal em família, brigas sobre se é pra ver ou pra comer: cancelados; Réveillon: cancelado. Cancelei, também, os compromissos. Desfiz os combinados. Agradeci pelos convites, mas justifiquei que não tenho mais condições, pois cansei. Vejo os meus amigos e amigas cansados. Tem sido cada vez mais raro ver olhos sorrindo atrás de máscaras.

O desejo continua aqui dentro do meu coração por justiça social, responsabilização dos governantes pelo descaso com a população, principalmente, com os mais pobres, vulneráveis socialmente e marginalizados. Vou terminar esse texto com a letra da música de Gonzaguinha: “A gente quer viver pleno direito... A gente quer viver todo respeito... A gente quer viver uma nação... A gente quer é ser um cidadão... A gente quer viver uma nação... A gente não tem cara de panaca... A gente não tem jeito de babaca... A gente não está com a bunda exposta na janela pra passar a mão nela... É É é é é é é é é”

* Doutor em Estudos Linguísticos – Pesquisador e Professor efetivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) instagram: @nazareorientadora
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