27 de janeiro, de 2021 | 16:07

Tudo que você precisa saber sobre política

João Paulo Xavier *

"Tudo que você precisa saber sobre política é que ela está em todo lugar: desde a água que você bebe aos 97% de taxa do esgoto que você paga"

O sistema político brasileiro é pautado na democracia. Essa palavra é a junção de dois conceitos: DEMOS - uma palavra grega que significa “povo ou distrito” e KRATOS que se refere ao “domínio ou poder”, ou seja, o “poder do povo” ou “governo do povo”. No Brasil, temos um regime político chamado de presidencialismo que se insere no modelo de república federativa, formada por quatro instituições: a União – que atua como se fosse o “Passaporte do Brasil” diante dos outros países, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Todas essas instituições precisam cumprir as leis promulgadas, isto é, estabelecidas na constituição federal.

O Brasil é dividido em 26 estados e o Distrito Federal, ao todo são 27 unidades federativas que possuem governadores que lideram e administram o estado com a ajuda deputados estaduais que propõe leis para cada estado. Há, ainda, os prefeitos que cuidam das cidades com a ajuda de vereadores que pensam e propõe na câmara municipal leis para legislar, ou seja, organizar a vida nas cidades.

Trocando em miúdos, para exemplificar: suponhamos que a cidade de Timóteo esteja passando por um problema grave com relação ao saneamento básico inexistente em vários bairros e, ao mesmo tempo, os cidadãos residentes estejam pagando 97% de taxa de esgoto sobre o valor do consumo de água. Diante disso, a população se manifesta, vai a Câmara Municipal e apresenta aos vereadores uma demanda por um projeto de lei municipal que responsabilize as grandes indústrias e fábricas na cidade e exija a implementação de um plano de ação que vise a diminuir os impactos ambientais: as cinzas e as fuligens que os fornos e chaminés liberam no ar da cidade, bem como os dejetos químicos depositados no Rio Doce e no Rio Piracicaba que serpenteiam por dentro da cidade como esgoto a céu aberto.

Os vereadores acolhem essa demanda na câmara, discutem as melhores propostas para defender os interesses da população (que os elegeu para que representassem o interesse público) e encaminham esse projeto para a prefeitura da cidade. O prefeito recebe essa demanda e decide o que fazer: o melhor para a cidade e seus cidadãos ou para o lucro e boas relações com as empresas? Uma escolha tem que ser feita. Em alguns casos, o prefeito leva essas demandas do município aos deputados estaduais que atuam na Assembleia Legislativa (AL) – no caso de Minas Gerais a ALMG está localizada em Belo Horizonte. Os deputados estaduais discutem com os deputados eleitos em outros municípios do estado, votam e apresentam ao governador as demandas que podem ser aplicadas aos municípios.

Novamente, o governador, como o prefeito, escolhe o que fazer: defender o interesse dos cidadãos que os elegeram ou os grandes empresários? O governador, caso entenda que o que precisa ser feito pode ser aplicado em outros estados, encaminha a proposta aos Deputados Federais que representam os estados que os elegeram. Eles se reúnem na Câmara dos Deputados, em Brasília. Então, uma ação local iniciada na cidade de Timóteo pode passar pela câmara dos vereadores, para chegar ao prefeito, para chegar aos deputados estaduais, para chegar ao governador, para chegar aos deputados federais para, talvez virar uma lei de âmbito nacional, sancionada pelo governo federal, na pessoa do presidente da República. Um processo que exige muita inteligência, ética e preparo de todos os envolvidos, certo?

No entanto quem são esses representantes e quão preparados eles estão para defender o desejo e o interesse da população? Todos esses políticos são Servidores Públicos. Ocorre que, diferentemente, de outros cargos públicos, não há um concurso que exija uma preparação para assumir esse encargo. Pode se candidatar qualquer cidadão brasileiro que tenha pleno exercício dos direitos políticos, ou seja, ter atingido a maioridade; Eu sou servidor público: professor.

Para estar nessa posição, precisei ler uma bibliografia de dez textos: seis livros e quatro artigos; realizar uma prova escrita, depois uma prova didática, apresentar um currículo no qual minhas experiências de trabalho e acadêmicas estivessem devidamente comprovadas. Entendo perfeitamente a importância desse processo, pois para formar pessoas é importante que eu saiba o que estou fazendo e os porquês. Preciso, anualmente, comprovar meus encargos acadêmicos, escrever artigos, publicar pesquisas, participar de eventos que expandam meus horizontes profissionais e ser avaliado por meus colegas de trabalho.

Questiono: por que as pessoas podem se candidatar para ocupar cargos públicos nas câmaras e prefeituras sem ter qualquer exigência com relação às suas formações e experiências? Por que para trabalhar para o Estado é necessário ser altamente qualificado e estar em constante formação, mas para compor o Estado qualquer coisa vale?
Por que as pessoas que desejam legislar e propor soluções para os problemas ambientais, educacionais e urbanos que afetam a população inteira de um município ou estado são menos cobradas com relação às suas capacidades de ocuparem aqueles cargos que um professor ou os servidores no SUS, por exemplo, que precisam realizar um concurso público para se elegerem.

Você já se questionou quais são os impactos que isso acarreta sobre as nossas vidas e para o tipo de política que é feita? Não quero mais um candidato despreparado, que olha para o pobre e o veja como miserável e aja como se essa pessoa precisasse de sua salvação ”à lá jesuítas”.

Não precisamos de um candidato homofóbico, racista, amigo de criminosos-milicianos, que viva numa bolha. Que seja parasita do sistema político e uma ameba intelectual. Não precisamos de um candidato playboy, simplório e que ache que o pobre brasileiro precisa de reformar uma “lata velha” e assim estará tudo resolvido, ou seja, um negacionista com relação às desigualdades e às violências que ocorrem diariamente no Brasil. Um candidato que feche os olhos para o terrível racismo e exclusão social às quais estamos sujeitos neste país. Não quero “artistas” ou celebridades na política.

Quero mesmo é uma pessoa que entenda de periferia, que saiba que aumentar R$0,15 centavos no preço da passagem pode custar o pão das crianças, que já tenha precisado do SUS, que defenda e que seja grata à escola pública e aos professores que teve, que saiba o que é ficar vigiando a tela do monitor do caixa no supermercado para ver se o dinheiro vai dar, que entenda das relações sociais, econômicas e como o racismo é estrutural e cruel. Alguém que lute para combater essa discriminação e não tenha medo de denunciá-la.

Um candidato ou candidata que esteja buscando se formar cada vez melhor e estar preparado para entender a sociedade e, assim, propor mudanças que possam reduzir essas disparidades, incluir os que estão às margens e promover um estado de bem-estar social não como “um privilégio” de poucos, mas como um direito de todos e todas. Já descobrimos que política não é lugar de palhaçada e nem o ambiente apropriado para pessoas que desconheçam a história do país ou que estejam prestes a cair das bordas da terra plana. Da política as vidas das pessoas dependem.

Esse negócio de que “política, religião e futebol não se discutem” foi inventado para te controlar. Se você entende política, você não vai aceitar que leis sejam feitas para te prejudicar. Se você entende as religiões, você as respeita como aspecto cultural e pertencente ao foro privado, isto é, à sua vida particular. Ela não deve ser utilizada para balizar a vida pública. Por fim, quando você entende que o futebol é apenas um esporte e não uma razão para as pessoas se ferirem com rojões e brigas de torcidas organizadas, você passa a enxergar a sociedade com lentes mais críticas. Tudo que você precisa saber sobre política é que ela está em todo lugar: desde a água que você bebe aos 97% de taxa do esgoto que você paga, mas não tem no seu bairro.

* Doutor em Estudos Linguísticos – Pesquisador e Professor efetivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG)- e-mail: [email protected]
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