20 de janeiro, de 2021 | 16:30

O Brasil é a cara da desigualdade social

João Paulo Xavier

João Paulo Xavier: ?Cenas como essa expõem como as causas cumulativas da desigualdade e da exclusão se cristalizam na sociedade?João Paulo Xavier: ?Cenas como essa expõem como as causas cumulativas da desigualdade e da exclusão se cristalizam na sociedade?

Esta semana, fui marcado em uma foto feita pelo fotógrafo Delcio Gonçalves. A imagem mostrava, em primeiro plano, duas cenas comumente vistas nos semáforos no Brasil. A primeira: uma jovem com o rosto pintado com tintas coloridas, cabelos molhados e emplastados com pó branco. Em suas mãos, uma sacola plástica. A personagem da foto é uma estudante branca, de cabelos lisos e compridos que participa, alegremente, do trote universitário da faculdade para a qual foi aprovada. Na imagem, conversa com a motorista e o passageiro de um veículo, possivelmente, pedindo-lhes uma contribuição financeira.

Atrás dessa jovem, uma outra cena ocorre simultaneamente. Uma moça negra, aparentemente, da mesma faixa etária que a universitária, passa segurando uma caixa de balas ao mesmo tempo que equilibra um bebê no colo. Ao contrário da estudante, a vendedora de balas não está sorrindo. Em segundo plano, podemos ver outros jovens felizes que assistem e participam do trote universitário. Todos brancos.

O letramento visual crítico, isto é, a leitura e a reflexão com relação a essa imagem, perpassa diversas discussões que convergem para o mesmo ponto: a desigualdade social. A desigualdade social no Brasil pode ser analisada por diversos ângulos: o primeiro, urbano: a favelização, isto é, a precarização das condições habitacionais de vida das pessoas em áreas periféricas.

A falta de infraestrutura nas periferias coloca as vidas das pessoas em risco, principalmente, durante períodos de chuva em que são muito comuns os deslizamentos e alagamentos. Essa desigualdade em saneamento, atinge a população negra que corresponde a 70,8% de todos os 16,2 milhões que vivem em situação de extrema pobreza, conforme os dados apontados pelo Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE) e implica na internação de mais de 289 mil pessoas com sintomas de diarreia e outras doenças. Desses pacientes, 50% são de crianças entre 0-5 anos.

Outras disparidades sociais incluem a desigualdade alimentar. Hoje, segundo a organização das Nações Unidas – a ONU, dos 7,8 bilhões de habitantes do mundo, 820 milhões passam fome. Aqui no Brasil, 10,3 milhões de pessoas não têm o que comer, apesar de sermos o terceiro maior produtor de alimentos no mundo, com uma gigantesca produção de 353 milhões de toneladas de alimento.
João Paulo Xavier João Paulo Xavier

As desigualdades de gênero e raça são outros fatores graves. O racismo estrutural no qual a sociedade brasileira está sedimentada tem suas bases no sistema político, econômico e educacional. O professor doutor Silvio de Almeida, em seu livro Racismo Estrutural, ensina que as relações econômicas são primeiramente sociais e se manifestam de formas objetivas.

Por exemplo, os privilégios de tributação fiscal que são inferiores para o grupo [racial] dominante. Atualmente, segundo Almeida, “a tributação é feita primordialmente sobre salário e consumo – que pesa principalmente sobre os mais pobres e os assalariados – em detrimento da tributação sobre patrimônio e renda, que incidiria sobre os mais ricos” – desta forma, as taxas tributárias contribuem para o empobrecimento da população negra, especialmente das mulheres, uma vez que esse grupo é o que recebe os menores salários.

Assim, cenas como as retratadas no início deste artigo expõem como as causas cumulativas da desigualdade e da exclusão se cristalizam na sociedade. Outra desigualdade pode ser vista no direito à Educação que está assegurado, muitas vezes, apenas no papel. Pessoas negras sofrem discriminação e obstáculos para o acesso à formação educacional e a permanência na vida escolar devido a inúmeros fatores, dentre os quais está a necessidade de trabalhar para se sustentar.

Essas terríveis desigualdades colaboram para que existam exclusões com relação a determinados saberes e acesso a determinados espaços acadêmicos e sociais. Consequentemente, teremos menos acesso a informação, menos condições de cuidar da nossa saúde, formação profissional comprometida e limitação com relação aos saberes que poderiam ser construídos por meio da Educação.

Diante disso, a população negra terá, sem dúvidas, mais dificuldade não apenas para conseguir um trabalho, mas para permanecer nele. Vejamos, no Brasil, cerca de seis milhões de estudantes, desde a pré-escola até a pós-graduação, não possuem condições de acesso à internet banda larga ou 3G/4G em suas casas e, consequentemente, não puderam participar do ensino remoto durante a pandemia. Esses dados foram coletados na pesquisa "Acesso Domiciliar à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia", feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Já os estudantes da rede privada tiveram as suas aulas síncronas, aquelas ao vivo, normalmente por meio das plataformas digitais providenciadas pelos colégios particulares que, em sua maioria, concluíram o ano letivo de 2020 no mês de dezembro. Ambas as estudantes de escolas públicas e particulares farão o Enem 2020. Diante disso, questiono: qual das estudantes terá mais chances de ser bem-sucedida no ingresso ao ensino superior?

Vivemos em desigualdades profundas e precisamos nos mover para transformar essas situações. Precisamos repensar como nos posicionamos diante de tudo isso. A desigualdade social te incomoda? Tudo ao nosso redor é um ato e uma consequência política: tanto a nossa denúncia quanto o silêncio conivente.

* Doutor em Estudos Linguísticos – Pesquisador e Professor efetivo do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CFET-MG)- e-mail: [email protected]
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Comentários

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Delcio Gonçalves

31 de agosto, 2023 | 23:08

“Olá João Paulo, sou o autor da fotografia e só hoje fui ler seu texto. Sua análise é certeira! Quem defende a meritocracia nesse país ou tem uma visão muito limitada ou está ganhando com a desigualdade social. Um abraço!”

Margareth Apolinaria Ferreira

28 de janeiro, 2021 | 21:17

“Além de uma analise impecável sobre um contexto tão comum, infelizmente, ainda vem recheada de dados que não deixam dúvidas sobre as condições precárias em que vivem a população pobre deste nosso país.”

Tanaca

25 de janeiro, 2021 | 09:59

“Ainda assim existem ,alguns que ensistem em dizer que o pais nao e miseravel,sociedade culturalmente individualista.”

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