17 de janeiro, de 2021 | 08:22

Os casos de autismo têm aumentado?

Especialista, mães e dirigente relatam aspecto científico, rotina e luta pelo desenvolvimento

Bruna Lage - Repórter do Diário do Aço

Se você tem um filho em idade escolar, um sobrinho ou convive com alguma criança, possivelmente já ouviu falar no Transtorno do Espectro Autista (TEA). O autismo, como é mais conhecido, tem sido cada vez mais comum nas rodas de conversa de pais, professores e especialistas. O Diário do Aço conversou com personagens diretamente ligados ao assunto e constatou: o aumento de casos é real e tem explicação.

Bruna Lage
Marcone Oliveira: “Nos próximos dez anos, certamente você conhecerá ou terá alguém com TEA por perto” Marcone Oliveira: “Nos próximos dez anos, certamente você conhecerá ou terá alguém com TEA por perto”

O neuropediatra Marcone Oliveira, que atende em Ipatinga, esclarece que autismo não é doença, mas sim um transtorno do neurodesenvolvimento. “Algo que já nasce com a criança. Desde a sua formação intrauterina ela já tem aquelas caraterísticas, que são padrão de interesse restrito, movimentos repetitivos e o principal e que abre o quadro, a alteração da comunicação. Muitas vezes esse quadro vem também com alterações sensoriais, seletividade alimentar, dificuldade de toque, luz e sons”, exemplifica. O médico explica que o autismo é classificado como nível leve, moderado ou grave, o que depende diretamente da dependência da criança por uma assistência externa.

Mais casos
Questionado sobre o aparente aumento de casos de autismo, Marcone Oliveira pontua que até 2013 existiam separações, como no caso da síndrome de asperger, que hoje é considerada autismo leve. Depois de 2013, o DSM, que é um manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, simplificou e enquadrou tudo como autismo.

“Quando ele faz isso, unifica e torna mais fácil os diagnósticos e faz com que haja aumento no número de diagnósticos. Por que aconteceu essa alteração no DSM? Exatamente por ter havido conhecimento médico científico, que pôde fazer com que esses critérios determinados pelo DSM fossem compatíveis com o quadro. Hoje conseguimos separar a criança que tem autismo, que tem retardo mental ou a que tem autismo e um transtorno global de desenvolvimento. Isso fez com que aumentasse o número de diagnósticos. Historicamente foi isso que aconteceu”, explica.

Hábitos de vida
Por outro lado, o neuropediatra chama atenção para o que a ciência tem mostrado: os hábitos de vida têm levado ao aumento do número de casos. Além da mudança do DSM, houve a evolução médica no tratamento de crianças com prematuridade e outras doenças, e que antes não sobreviveriam. Outro fator que se tem conhecimento científico, aponta Marcone, é que algumas exposições podem causar o autismo, dentre elas poluição, morar perto de grandes vias, exposição a metais pesados, obesidade durante a gestação e pais mais velhos.

“Não tem um determinante, mas vários fatores têm causado sim o aumento do TEA. Eu poderia citar ainda diabetes, uso de inibidores como fluoxetina e sertralina. Mas a resposta é que houve aumento de conhecimento do médico, do professor, da sociedade e essas crianças não estão mais reclusas, fala-se mais sobre isso, respeita-se mais e isso tem feito com que mais pessoas possam conhecer o autismo. Houve um avanço da medicina, que suporta mais crianças que não sobreviveriam até a vida adulta, e também essas exposições que mencionei”, detalha.

Herdabilidade
Marcone Oliveira salienta que há a chamada herdabilidade do autismo. “Tenho aqui no consultório três irmãos autistas, tenho gêmeos também. Quando tenho o primeiro filho dentro do espectro, a chance do meu segundo também ser é de 20%. Então existe uma herdabilidade genética. O que acreditamos é que existe um gene adormecido, que durante essa formação se expõe a alguma coisa neuroambiental e aflora. Isso é o que a ciência sugere. Não tem comprovação se é herança do pai ou da mãe, sabemos que há maior incidência em crianças do sexo masculino”, reforça.

Diagnósticos
Sobre o tempo necessário para fechar um diagnóstico, Marcone pondera que é variável. “O diagnóstico é clínico, se consigo fechar com a identificação dos parâmetros, faço em uma consulta. Só que eu tenho recebido crianças cada vez mais jovens, fechei nessa semana o diagnóstico de uma criança de um ano e quatro meses, para isso preciso de um suporte científico maior, que é um relatório da escola, um questionário da família e de uma avaliação interdisciplinar. Posso precisar que o otorrino verifique e também um neuropsicólogo, o que pode levar algum tempo. Quanto mais jovem a criança, mais difícil é o diagnóstico. O mais importante é não deixar de iniciar a intervenção, mas sempre aviso à mãe, ‘seu menino é muito novo, mas prefiro iniciar e daqui a um ano, um ano e meio, chegar à conclusão de que não se tratava de autismo, do que não fazer nada e essa criança ter de voltar anos depois, já com prejuízo no desenvolvimento”, avalia.

Em geral, a criança autista irá precisar de um psicólogo comportamental, fonoaudiólogo especialista em linguagem, de um terapeuta ocupacional e psicopedagogo. “Ela pode precisar de um psicomotricista e de um fisioterapeuta”, elenca. O médico conta que a literatura não traz a possibilidade de que autistas percam completamente suas características, que sempre vai ter algum padrão de comportamento dentro do espectro. Entretanto, o DSM aponta que é possível ter o diagnóstico mesmo que por histórico.
“Ou seja, hoje não tem estereotipia, mas antes sim, hoje não tem atraso de fala, mas existia. Em agosto do ano passado um cientista americano deu uma entrevista e disse que nos Estados Unidos estão pegando as crianças tão jovens e que dependendo do tipo de intervenção, não estão mais conseguindo identificar quadro de autismo. O que sugeriu? Que provavelmente já estão conseguindo fazer uma intervenção que tire essa criança do espectro. Isso não existe na literatura, mas há esse relato. Temos tido resultados tão bons que as pessoas realmente duvidam se é autismo”, vislumbra.

Panorama
“Nos próximos dez anos, se você não tem nenhuma pessoa próxima com espectro autista, certamente terá. Seja um amigo, filho de um irmão, ou seu filho. E isso me leva a pensar que quando a gente conhece o outro, respeitamos mais, então, esse pensamento de que se você não tem ninguém com o espetro por perto hoje, mas que pode ter amanhã, faz com que repense como vê a criança autista. Essa é minha mensagem para você que não tem contato com alguém dentro do TEA. Para os pais de crianças especiais não preciso dizer nada, são batalhadores, eles não desistem”, conclui.

Mães incansáveis relatam o dia a dia

Álbum pessoal
Layane: “Ver o desenvolvimento dele faz todo o esforço valer a pena”Layane: “Ver o desenvolvimento dele faz todo o esforço valer a pena”


Jornalista e influenciadora digital, Layane Óliver Nunes, de 27 anos, conta que o filho Antônio Lopes Óliver foi diagnosticado no mês de agosto, quando tinha 2 anos e 7 meses. Para ela, o maior desafio é desempenhar o papel de assistente terapeuta. “Nós fazemos um tratamento chamado Denver. Passamos três horas por dia no quartinho brincando com a supervisão on-line da psicóloga. Eu tenho as responsabilidades da maternidade, de fazer as intervenções com ele em casa, tenho o meu trabalho e etc. Não é fácil, mas ver o desenvolvimento dele faz todo o esforço valer a pena”, assegura.
Na avaliação da mãe, ainda existe muito preconceito em relação aos autistas. “É lamentável. O autismo hoje é mais divulgado, mesmo assim ainda falta informação. Eu sempre falo algo que gera certa polêmica mas é real. O preconceito nasce dentro da própria família. Muitas mães já me relataram que escondem o diagnóstico. Não temos motivos para isso. O preconceito nasce do desconhecido. Precisamos falar sobre o autismo, temos que conscientizar as pessoas”, opina.
Layane revela que já teve medo, mas que aprendeu a viver o hoje. “Não adianta eu me preocupar e gastar as minhas energias com isso, se o futuro dele vai depender de como estamos lidando agora. Meu foco é fazer os tratamentos direitinho, para que lá na frente eu veja que tudo valeu a pena”, ensina.

Recente
A administradora Karina Araújo Gonçalves Félix tem 31 anos e um filho de 2 anos e seis meses, Gustavo Araújo Félix. O diagnóstico do menino é recente, ele foi enquadrado no espectro há dois meses. Desde então, ela tem buscado cada dia mais conhecimento sobre que há em relação ao autismo. “Quero fazer tudo que estiver ao meu alcance para sua melhor qualidade de vida. Atualmente Gustavo faz sessão com fonoaudióloga três vezes por semana e o método de intervenção Denver, três horas por dia, de segunda a sexta feira”, detalha.

Álbum pessoal
Karina: “Quero fazer tudo que estiver ao meu alcance para sua melhor qualidade de vida”Karina: “Quero fazer tudo que estiver ao meu alcance para sua melhor qualidade de vida”


Ser mãe de uma criança autista é, na opinião de Karina, viver uma constante luta, onde desistir nunca vai ser uma opção. Devido à falta de conhecimento das pessoas, ela acredita que ainda exista preconceito. “Quando eu saio na rua com Gustavo usando minha camisa com escrita ‘Mãe de Autista’, sinto que as pessoas ficam observando, na tentativa de achar o que tem de ‘errado’. O espectro é muito amplo e as características de cada criança variam muito de uma para outra, não sendo assim possível generalizar que toda criança autista tem um determinado jeito ou todas tem determinado sinal”, conta.

Saudável
Para quem ainda tem dúvida sobre seu filho ser ou não autista, Karina é categórica. “Coração de mãe sabe das coisas, e vocês são a voz de seu filho. Ao menor indício de sinais de autismo procure ajuda médica o quanto antes, pois as intervenções precoces são fundamentais para qualidade de vida dele. A certeza que quero ter no meu coração é a de que, quando meu filho crescer, vou olhar para trás e constatar que dei o meu melhor no caminho que percorri junto com ele. Gustavo é benção de Deus. Lindo, perfeito, saudável e autista”, classifica.

Centro de Integração Azul

Ipatinga conta com um ponto de acolhimento para as famílias de autistas. O Centro de Integração Azul (CIA) foi criado no ano de 2012, por iniciativa de alguns pais, que viram a necessidade de buscar mais informações e formação para lidar com o transtorno. Daniel Guedes, pai de autista, vereador em Ipatinga pelo PSD e que atuou como presidente do CIA até o ano passado, chama a atenção para a necessidade de criar um fluxo de atendimento nesse sentido.
Desde 2014, o Centro virou pessoa jurídica. “Estamos lutando para que muito em breve teremos um centro para acolher, informar e formar. Claro que o tratamento é política pública e é caro. Isso tem que ser muito bem estruturado”, observa.

Poder público
A realidade do atendimento ao autista é dura, segundo Daniel. “Ao pé da letra e sendo bem categórico: nenhuma esfera de governo nos enxerga, em nenhum lugar. O autismo não tem exame clínico, é por meio de observação. O profissional psiquiatra infantil e o psicólogo comportamental tem de ter habilidade para perceber que ali tem a presença de um transtorno, encaminhar para um psiquiatra com um relatório dizendo quais são as habilidades que estão em evidência em atraso, por exemplo, a fala, interação, imitação, fixação de olhar. Ipatinga está nesse bojo de cidades que não oferecem nenhuma porta de acesso, seja ela via posto de saúde, policlínica, UPA, Hospital Municipal, nada”, lamenta.

Bruna Lage
Segundo Daniel Guedes, nenhuma esfera de governo enxerga os autistasSegundo Daniel Guedes, nenhuma esfera de governo enxerga os autistas



Ele acrescenta que, desde sempre, tudo para o autista é pago pela própria família ou por judicialização. “Você monta um processo, peticiona e daqui dois anos, dois anos e meio, o juiz diz, cumpra-se. E aí essa criança já perdeu um grande período de estímulos e de possibilidade de intervenções. O que precisamos é de montar um fluxo de atendimento. Se você tem uma dúvida sobre seu filho, onde deve ir? É preciso ter uma equipe multidisciplinar para um diagnóstico precoce”, reitera.

O vereador salienta que os pais precisam do diagnóstico e o mais precoce possível e ter a garantia de seus direitos quanto ao tratamento de seu filho. O estado precisa, em sua avaliação, construir um fluxo de atendimento para a criança, para investigar precocemente. “Para os que estão diagnosticados e laudados, é necessário montar um centro de referência para a criança do espectro autista, com psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicopedagogo e até fisioterapia. Porque alguns autistas têm comorbidades, como meu filho, que tem seletividade alimentar e baixo tônus. O governo também tem que fomentar a formação de profissionais com especialidade para atender os autistas”, alerta.

Conheça o CIA
Em razão da pandemia, as atividades presenciais do CIA estão suspensas, mas você pode acessar o perfil no instagram ciacentrointegracaoazul e ficar por dentro das transmissões e comunicados. E também por meio do Whatsapp (31) 98878-5644.
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Comentários

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Maria

17 de janeiro, 2021 | 16:14

“Boa tarde e verdade hoje em dia tem muitas crianças com o aspecto autismo mais hoje estamos tendo muita ajuda e a Associação Cia e uma delas muito boa obrigado”

Erica Cardoso

17 de janeiro, 2021 | 16:13

“Boa tarde hoje temos grandes ajuda para os nossos filhos e a Associação Cia e uma delas ok”

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