25 de novembro, de 2020 | 16:00

Campeão das primaveras da vida

Celina Moraes *

Aos 6 anos, Itamar cortava cana para ajudar os pais no sustento da casa. Ele sonhava alto. Queria ser piloto de caças. Aos 16 anos, cortava cana de dia e estudava à noite, e sonhava se alistar na Aeronáutica em Recife, mas a poucos dias do alistamento, um imprevisto o impediu e esse sonho se perdeu na imensidão dos canaviais.

Itamar sabia que precisava começar a arar a terra, senão nada colheria e seria apenas UM sonhador estagnado e não O sonhador determinado. Aos 18 anos, comprou duas passagens: uma de ida para São Paulo e outra de volta para o Recife. Desembarcou na capital paulista só com a certeza da passagem de volta. No início, fez bicos como pedreiro, mas os ganhos não pagavam sua sobrevivência. Precisava de um emprego fixo. Batalhou um ano até ver o registro de faxineiro de um prédio residencial na carteira profissional.

Varrendo, seus olhos olhavam para baixo; pensando, sua mente mirava o alto. Ele voltou a estudar. Nessa corrida, quase que o cansaço venceu, mas o sonhador determinado superou os obstáculos e conquistou a medalha do diploma. Mirou outro pódio: a faculdade. No prédio onde trabalhava, morava uma executiva. Um dia, se arriscou a perguntar-lhe se ela o ajudaria se ele se formasse. Admirada, prometeu que sim.

Itamar não passou nos vestibulares públicos, restou-lhe os particulares. Foi aprovado em três instituições e reprovado em todas as condições financeiras. Adiou os estudos e decidiu poupar dinheiro.

Durante três anos, comeu o básico e poupou as sobras, até começar a faculdade. Nessa corrida com obstáculos, Itamar passou quatro anos saltando sobre mensalidades que quase o fizeram cair de cara no fosso d’água. Para não desanimar, lia e relia o provérbio bíblico “o coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos”. Carregava apenas a certeza que o Senhor iluminava seus passos.

Formou-se. Enrolado no canudo, veio um carnê de oito mil reais. Itamar procurou uma executiva. Ela o indicou para uma empresa e 10 anos depois de chegar a São Paulo só com a passagem de volta para o Recife, Itamar, o corredor incansável do canavial, aterrissou como assistente administrativo numa multinacional.

Na infância subtraída, manuseando arriscados facões afiados, o sonhador de Primavera apoiou-se na Fé inabalável em Deus e na crença de que no alto havia as estrelas, mas era preciso pisar firme na terra sem se vitimizar. No revezamento da vida, quando pegou o bastão, o agarrou com precisão e rapidez, e conquistou medalhas, provando que a insistência na persistência para estudar e a paciência para saber recuar e avançar nas primaveras da vida o fizeram um campeão das corridas da vida e das pistas de corrida.
 
* Formada em Letras, Celina Moraes é escritora e cronista. Autora dos romances “Jamais subestime os peões” e “Lugar cheio de rãs”, que foi vencedor do Prêmio “Lúcio Cardoso” em 2010 pelo 3º lugar no concurso internacional de literatura promovido União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ). Ainda teve o conto “Rumo ao topo numa canoa quebrada” selecionado para compor a antologia da UBE, “Contos: História de Amor e Dor”
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Comentários

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Tião Aranha

27 de novembro, 2020 | 08:56

“Existencialismo e nada mais. Quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua estrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens.
Que ao escolher a si próprio ele está escolhendo todos os homens, nem que seja subjetivamente.
O homem é antes mais nada um projeto que se vive subjetivamente. Sua dignidade é maior do que uma pedra sobre uma mesa, uma couve-flor, um creme ou qualquer outra coisa podre e não existe nada anterior a este projeto.
Não compete aos nossos atos criar o homem que desejamos ser, somos incapazes sequer de criar o homem que desejamos ser no que tange á sua imagem do homem como desejamos ser.
Palavras grandiloquentes como angústia, abandono e desespero sempre acompanharam o homem desde á construção das cidades da Grécia antiga. Todos conhecem a história: um anjo ordenou a Abraão que sacrificasse o filho. Mas, ninguém tem a certeza absoluta que se realmente tratava-se de um anjo.
Com efeito, já que a existência precede a essência, nunca será possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; logo não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade.
Dostoievsky escreveu: "Se Deus não existisse, tudo seria permitido".
Nestas palavras se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, se Deus não existisse, ficaria o homem abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Não havendo desculpas escapatória para o mesmo é que dentro desta visão teológica é que o homem é sempre uma possibilidade a mais.
Quando Kierkegaard se referia á angústia de Abraão, com certeza ele estava se referindo á angústia do homem. Somos a imagem de nossa época. Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade.
Por exemplo, quando um trabalhador prefere aderir a um sindicato cristão e ser comunista, esta sua adesão ocorre é porque ele quer indicar que a resignação é no fundo a solução que convém ao homem, que o reino do homem não é na terra, não abrange somente o seu eu: ele pretende ser o representante de todos.”

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