27 de outubro, de 2020 | 14:13

STF e a universalidade do direito das pessoas com deficiência

Viviane Limongi *

“Manter-se a situação anterior significaria, na prática, verdadeira transferência de pena do condenado à pessoa com deficiência”

Reconhecimento da universalidade dos direitos das pessoas com deficiência. Este foi o sentido da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que concedeu Habeas Corpus (HC 165.704) coletivo para determinar a substituição da prisão cautelar dos pais e responsáveis por crianças menores e pessoas com deficiência.

Condicionada também às regras processuais previstas no artigo 318 do Código de Processo Penal, a ordem coletiva atinge todas as pessoas presas que tenham sob sua única reponsabilidade pessoas com deficiência.

Decisão semelhante, mas restrita às gestantes e mães de crianças com até 12 anos, já havia sido concedida em 2018, nos autos no Habeas Corpus 143.641 – SP.

Agora, o Supremo Tribunal Federal estende o sentido daquela decisão aos presos que tenham sob seus cuidados as pessoas com deficiência, o que traz concretude aos direitos humanos das pessoas com deficiência, à luz do que dispõem a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo ratificados pelo Brasil.

É importante consignar, ainda, nesta hipótese, a preponderância dos direitos humanos da pessoa com deficiência sobre a prerrogativa do Estado-Administração de manter segregado o familiar exclusivamente responsável pela pessoa com deficiência. Manter-se a situação anterior significaria, na prática, verdadeira transferência de pena do condenado à pessoa com deficiência, porquanto essa estaria impedida de manter consigo acompanhamento familiar e social e, com isso, desenvolver-se.

A decisão judicial, pois, vai ao encontro da atual hierarquia de valores que integram o sistema jurídico nacional e internacional e concede à questão da pessoa com deficiência tratamento digno, voltado à inclusão, ao pleno desenvolvimento de seus direitos de personalidade e à diminuição das barreiras impostas pela sociedade.

A longo da História, a vida das pessoas com deficiência nunca foi fácil. No primeiro momento histórico, caracterizado pela intolerância, decretos de morte eram comuns.

O segundo momento caracterizou-se pela “enfermidade incurável”, impondo às pessoas com deficiência verdadeira hipótese de invisibilidade.

O terceiro momento se caracterizou pelas conhecidas internações em instituições psiquiátricas e se consubstanciaram pela busca pela cura. A deficiência, então, era uma “doença a ser curada’, como define Flávia Piovesan.

E, finalmente, o quarto e atual momento se orienta pelo paradigma dos direitos humanos, com ênfase à inclusão social da pessoa com deficiência no meio em que ela se insere, com vista à eliminação de barreiras culturais, arquitetônicas, atitudinais, físicas e sociais.

Hoje, a deficiência é vista como algo natural e não se restringe apenas à questão biológica, mas conjuga a questão biológica e funcional à das barreiras impostas pela sociedade. Ou seja, quanto maior as barreiras impostas pela sociedade, maior a deficiência.

Conclui-se, portanto, que o conceito biopsicossocial da deficiência impõe à sociedade o dever de diminuir barreiras e envidar todos os esforços para o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência. E é justamente em razão desse dever de diminuir barreiras e ofertar à pessoa com deficiência a possibilidade de desenvolver-se que a Convenção propõe que as famílias, como núcleo natural e fundamental da sociedade, recebam a proteção e assistência necessárias para torná-las capazes de contribuir para o pleno e equitativo exercício dos direitos das pessoas com deficiência.

A decisão do Supremo Tribunal Federal vai ao encontro da atual concepção de deficiência, ao permitir que a pessoa com deficiência não seja prejudicada em seu desenvolvimento pelo encarceramento de seu único responsável. Trata-se de medida de cuidado, essencial aos direitos humanos e à promoção dos direitos e dignidade das pessoas com deficiência para garantir sua participação na vida social, econômica e cultural.

* Mestre e doutoranda em Direito Civil e sócia do escritório Limongi Sociedade de Advogados
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Comentários

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Tião Aranha

29 de outubro, 2020 | 12:01

“Vejo as supremas cortes como mantenedoras da paz social. Em seus melhores momentos vêm tb desempenhando uma função educativa, representando um exemplo admirável de crença nos valores da tolerância, da justiça e da dignidade.”

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