19 de setembro, de 2020 | 09:00

Dívida de pensão alimentícia e prisão domiciliar

Jorge Ferreira S. Filho *

Deixar de pagar a pensão alimentícia não é crime, todavia pode “dar cadeia”. Decretada a prisão do devedor de alimentos, ele deveria cumpri-la em regime fechado e separado dos presos comuns. A Pandemia modificou temporariamente esse cenário, porque Bolsonaro, em junho deste ano, sancionou a Lei 14.010/2020, que trata do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (covid-19). Ficou determinado nessa norma que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil do devedor de pensão alimentícia deve ser cumprida apenas na modalidade domiciliar.

Todos nós giramos em torno de uma família. Por isso, qualquer crise, seja econômica, sanitária, educacional e demais variantes, provocará efeitos sobre esse especial grupo de pessoas. No caso da atual Pandemia, o confinamento compulsório deflagrou duas novas questões em relação aos pais de filhos menores. A primeira consiste em saber como o Judiciário poderia garantir a convivência do filho menor com o genitor que não tem a guarda. A segunda problemática fica na discussão sobre a eficácia das medidas contra o genitor que não pagar a pensão alimentícia ao filho.

Muito bem! Quando a Lei do RJET foi sancionada, muitos pensaram que este “alívio” concedido à pessoa devedora de alimentos elevaria o inadimplemento. Juízes, advogados e promotores sabem que o dinheiro para o pagamento da pensão, para alguns devedores, somente aparece depois de decretada a prisão em regime fechado. Fica, então, a dúvida: o recalcitrante devedor de pensão alimentícia iria se incomodar caso lhe fosse decretada a prisão domiciliar?
Qualquer lei tem um motivo, seja implícito ou explícito. No caso em análise, a lei está justificada sob o fundamento de que, no ambiente carcerário, a pessoa terá maior probabilidade de contrair o Coronavírus.

O argumento é logicamente válido, mas implica que o governo reconhece que não está cumprindo o seu dever de fazer dos cárceres um ambiente que não exponha os encarcerados ao risco de contrair doenças. Mas isso é outra questão. O que nos interessa são os efeitos da prisão domiciliar e sua receptividade, não se esquecendo que outubro está chegando, fato que extinguirá a possibilidade de o devedor de alimentos cumprir a prisão na modalidade domiciliar.

Oportuno trazer aqui as palavras de Rolf Madaleno, no sentido de que aqueles que precisam de alimentos com frequência passam por “angústias e descrenças causadas pela morosidade” do processo de execução. Lentidão e falta de resultado prático “têm desacreditado leis, desmentido advogados, juízes e promotores”. A nova lei não parece que modificará essa situação.

Importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça aplaudiu a medida de prisão domiciliar. Expressamente, considerou a norma muito razoável. Provavelmente, o pai em prisão domiciliar não vai pagar a pensão. Parece-me que a dignidade do menor alimentado foi considerada menos importante que o risco da contaminação pelo novo coronavírus.

Há desejos inconfessáveis escondidos na tessitura de uma lei: um deles pode ser a abertura do caminho para tirar do regime fechado, não o devedor de aluimentos, mas os políticos corruptos, deixando-os no aconchego do lar, espaço onde se cumpre a prisão domiciliar.

* Advogado - Articulista. Professor da Fadipa; E-mail [email protected]
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