22 de agosto, de 2020 | 09:30

Estupro e gravidez no lado macabro da internet

Jorge Ferreira S. Filho *

“A vida dos outros, às vezes, parece interessar mais que a vida da própria pessoa”

“A Internet tem suas maravilhas e seus perigos, que tenhamos a virtude de explorar apenas suas maravilhas”

As redes sociais vêm demonstrando que possuem diversas facetas, sendo que uma delas tem o viés diabólico. Uma capacidade de perpetrar o mal, tornando o que já não é bom em algo ainda pior. E assim o fez no caso de uma infeliz criança vítima de estupro. Digo “uma”, porque são muitas as crianças vítimas de tal crime, mas essa, a quem me refiro, sofreu duas vezes: pelo estupro propriamente dito; pela exposição não consentida de sua intimidade, imagem e seus “dados sensíveis”.

Uma impiedosa divulgação nas redes sociais da dramática e penosa situação vivenciada por um ser humano, que ainda não completou 12 anos. Em termos jurídicos, no Brasil, ela é uma criança e, por isso, uma pessoa que deve ser protegida pelo Estado, pela sociedade (todos) e pela família.

A vida dos outros, às vezes, parece interessar mais que a vida da própria pessoa. O colossal acesso às notícias policiais, encontradas nos jornais, nos programas de rádio ou de televisão, demonstram isso. Porém, o leitor, ouvinte e o telespectador são, praticamente, não interativos com o meio de comunicação. No caso da Internet, tal situação não acontece. Na rede social, à notícia mãe, são acrescentadas maledicências, extravasamento de recalques e frustrações, mensagens subliminares preconceituosas e falsidades. Tudo isso escondendo inconfessáveis intenções.

O discurso atual, ou seja, o dizer politicamente correto, é no sentido de que o mundo deve curvar-se ao “superior interesse da criança”. Muitos pesquisaram a história da infância, indicando os livros que o olhar do adulto modificou muito, registrando-se que, no Século XVII, implementou-se uma inflexão, permitindo que chegássemos, no Ocidente, à construção do conceito de criança, como o ser humano mais importante do que o adulto.

Nós, os brasileiros, caminhamos bem. Criamos um razoável arcabouço normativo de proteção à criança e ao adolescente. Produzimos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), meio pelo qual instituímos como obrigação de todos, incluídos aí o blogueiro e o integrante de rede social, velar pela dignidade da criança, resguardando-a contra aspectos vexatórios ou constrangedores, preservando sua imagem e identidade.

Na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP), estabelecemos que é no melhor interesse da criança e do adolescente que deverá se efetivar o tratamento de dados pessoais desses menores. Importante é ressaltar que o “dado pessoal”, nos termos da LGDP, é qualquer informação relacionada com a pessoa natural identificada ou identificável. Os dados referentes à saúde ou à vida sexual de uma pessoa são considerados como “dados sensíveis”.
No caso, endereço e fotos do hospital onde a criança foi recebida foram jogadas nas redes sociais, em flagrante desrespeito aos direitos da menor. Dados sensíveis de alguém expostos em troca de um “like”. Insinuações a respeito da libido (luxúria, excitação e desejo) da menor, lançadas ao espaço cibernético com a repugnável finalidade de atacar profissionais de saúde ou simplesmente propalar dogmas religiosos e posições sectárias, nas vertentes da intolerância e da intransigência.

“A dor da gente não sai no jornal”, cantou Chico Buarque. A Internet tem suas maravilhas e seus perigos, como escrevera Patrícia Rodrigues de Salles Prado, advogada e integrante da Internet Society do Brasil. Que tenhamos a virtude de explorar apenas suas maravilhas.

* Advogado - Articulista. E-mail [email protected]
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Comentários

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Manguita

22 de agosto, 2020 | 14:31

“Comentei isso em casa, mais que solidário as pessoas foram maldosas em lançar na midia o caso da menina, expondo dados sobre ela, tudo em busca de likes, tadinha uma criança que foi estrupada e violada não so pelo seu tio, mas por toda sociedade, errou todo mundo, algo que deveria ter sido resolvido com discrição,para preservar a criança caiu na boca do povo...Que pena que nem a familia, nem a igreja nem as autoridades tiveram sabedoria nem competência para solucionar o caso sem "EXPOSICAO da MENOR"”

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