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14 de agosto, de 2020 | 13:45

Os efeitos da pandemia na estrutura familiar

Jorge Ferreira S. Filho *

“A família é um poço, não de instintos, mas de complexos, significando isso, a causa de efeitos psíquicos não dirigidos pela consciência”

A imprensa brasileira, depois de iniciada a campanha do isolamento social, como ferramenta de combate à Pandemia, abordou constantemente dois temas: aumento da violência doméstica; crescimento do número de divórcios. Acredito que a violência doméstica é um sinal de ruína da instituição familiar e o divórcio as suas exéquias.

Estatisticamente, tenho que o aumento dos casos de divórcio não foi tão expressivo como divulgam. Verdade é que nos meses fevereiro, março e abril de 2020, a quantidade de divórcios reduziu. Os casais não tinham como acessar facilmente o Judiciário. A dificuldade foi contornada com o implemento das audiências on-line. Como exemplo, faço referência à divulgação no g1-globo – distrito-federal, em 23/7/2020, informando que 5.306 casais se divorciaram em junho de 2020, contra 5.209 em junho de 2019.

Tudo isso me levou a indagar se o isolamento social teria o poder de desestruturar uma família ou ele simplesmente impulsionaria a exteriorização de algo que, na verdade, já não mais existia.

Tarefa difícil é conceituar o grupo familiar. O Direito, a Sociologia e a Psicanálise esforçam-se para dar forma a este difuso conteúdo denominado família. Nossa Constituição Federal declara que a família é a base da sociedade. Afirma que ela pode ser instituída pelo casamento, pela união estável ou pela monoparentalidade. A Constituição portuguesa enuncia que “a família é o elemento fundamental da sociedade”, contudo, não a define. A Constituição espanhola, no artigo 32, enuncia que homem e mulher têm o direito de contrair matrimônio, situação que gera a falsa ideia de que apenas pelo casamento a família seria instituída.

O ponto de convergência parece ser o reconhecimento de que a instituição família é o alicerce da sociedade. Se ela for doente, a sociedade não será sadia; se a estrutura for frágil, o prédio correrá o risco de ruir. Essa conclusão, porém, não responde a nossa pergunta. O Direito não nos socorre, mas a Psicanálise talvez realize tal missão.
Jacques Lacan, no Tomo VIII da Encyclopédie Françáise, discorrendo sobre a psicologia familiar, vem elucidar que não se pode compreender a família humana, se for desconsiderada “a realidade constituída pelas relações sociais” em seu entorno.

“A família é um poço, não de instintos, mas de complexos, significando isso, a causa de efeitos psíquicos não dirigidos pela consciência”. Este peculiar grupo humano, a reduzida família da modernidade (pai, mãe e filhos), que Durkheim chamou de “família conjugal”, predomina perante outros (comunidade religiosa, profissional, educacional etc.) para a transmissão das estruturas comportamentais e de representação. Essa instituição responde pela “organização das emoções segundo tipos condicionados pelo meio ambiente, que é a base dos sentimentos”. É a vivência comunicativa intrafamiliar que subverterá nossa “fixidez instintiva”. Pela interação familiar teremos a chance de nos tornarmos “gente boa”: pessoa, resolvida, segura, orientada, respeitosa e apta a aceitar as diferenças com o outro. A família é, estruturalmente, funcional.

O desenvolvimento psíquico sadio do ser humano depende da forma pela qual ele passa pelos “complexos”, tais como: do desmame; da intrusão (o irmão que chega); das variantes edipianas etc. A família conjugal mostra-se como o núcleo eficaz para que “saímos bem” deste inarredável destino. A clínica, diz Lacan, aponta que um grupo incompleto, reduzido à mãe e à fratria “é muito favorável à eclosão de psicoses”. Além disso, parece ser fato “o desastre contemporâneo que atinge a figura do pai”, como alerta Legendre.

O convívio ininterrupto forçado, provocado pelo isolamento social, a meu ver, mostra-se muito mais apto a reforçar a estrutura funcional da família do que a enfraquecê-la. Tem-se o espaço interativo propício ao crescimento psicológico dos entes familiares. O filho observa o pai trabalhar remotamente. Ao pai se oportuniza o acompanhamento dos estudos do filho. Pai e mãe transmitindo presencialmente aos filhos, pelo exemplo, a técnica de aceitação do outro. O isolamento gera, pelo menos, um tempo maior para o fortalecimento da estrutura familiar.

Se o convívio, intenso e extenso, se revela insuportável durante o isolamento social, não foi este que desestruturou a família. Ela já não existia.

* Advogado - Articulista. Professor da Fadipa; e-mail [email protected]
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