09 de julho, de 2020 | 15:45

Política no Brasil: um balaio cheio de anjos ou de demônios?

Reinaldo Arruda Pereira *

Existe na narrativa bíblica uma afirmação bastante interessante que se encontra no Salmo 34.7: “O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra”. Aqui no Brasil, nos últimos dias, ficamos sabendo da manifestação angelical, cuja personificação e intervenção passavam pelo trabalho e atuação do advogado Frederick Wassef, apelidado de “anjo” pela família Bolsonaro.

À luz da narrativa bíblica do Salmo 34:7, podemos afirmar que o “ministério” dos anjos sempre foi uma realidade e que eles existem para ajudar os seres humanos. Até aí tudo bem, é fato! O que ninguém imaginava, no entanto, é que os anjos tivessem apreço por política e se implicavam e se misturavam com ela. Mas, em política, tudo pode acontecer.

A palavra “ministério” é pertinente às atribuições dos anjos, e, conforme preceitua a Bíblia e o pensamento teológico numa dimensão coletiva, pautada no bem comum. Nos últimos dias, entretanto, no nosso Brasil contemporâneo, ficamos sabendo que há “anjos” que atuam na política e com políticos eleitos e que representam o povo.

Esse é o caso do referido advogado Wassef, que abrigou, protegeu e escondeu Queiroz e outras pessoas vinculadas a ele e à política. A atuação de Wassef foi determinante para a investigação da Polícia Federal e a deflagração do que se denominou de “Operação Anjo”, no último 18 de junho. Ressalta-se que o nome da operação faz referência ao trabalho, às ações e atribuições de Wassef. Em outras palavras, fazia parte do “ministério” do “anjo Wassef” abrigar, proteger, esconder e ocultar.

Operação Anjo é, por sua vez, um nome bastante sugestivo. Ilustra que, no Brasil, a mistura entre política e religião, igreja e política, e ainda religião, política, igreja e mau-caratismo fazem parte do nosso cotidiano e torna-se cada vez mais real e presente. A novidade, no entanto, é a presença dos seres angelicais no sistema político. Claro, aqueles de uma perna só; os de asas caídas.

E não haveria lugar e espaço mais propício e adequado para a atuação dos anjos do que a política, seja para o bem, seja para o mal? Na verdade, a ideia que se tem, aqui no Brasil, é que os políticos precisam de “demônios” para prover falcatruas, irregularidades, dolos e tramoias, tanto quanto de “anjos” para os protegerem. Como toda família numerosa - e a dos políticos não é diferente -, têm seu anjo e seu demônio, cuja etimologia pode se reportar à palavra grega “daímon”.

Ao considerar a narrativa bíblica a respeito dos anjos e suas atribuições, e comparar com a atuação do “anjo Wassef”, não há dúvidas que de anjo bom e puro ele não tem nada. Está muito mais para um anjo mau, um demônio, que, no imaginário da religiosidade popular incorpora “anjo” de chifres na cabeça. Ou seja, um verdadeiro demônio, um agente do mau, a encarnação da maldade.

A bem da verdade, a política no Brasil, tal qual é praticada, está muito mais para os “daemones/daimonions”, formas gregas pluralísticas, que se associadas também à palavra grega cratos (Krátos), mostra a personificação da força, violência, perversidade e da maldade no contexto da política. Assim, a “Operação Anjo” vem confirmar que em política se pode tudo, “rachadinhas”, desvios e lavagem de dinheiro público, peculato, organização criminosa, entre outras.

No ideário religioso dos brasileiros, “anjos” e “deuses” estavam acima de qualquer suspeita. Mas, com a “Operação Anjo” este ideário caiu por terra. Os “anjos” e “deuses” da política - assessores de parlamentares e políticos eleitos, respectivamente - são colocados em suspeita, investigados e deixam de ter a imagem de bondade e pureza.

Ao considerarmos o que vem acontecendo em nosso país, não há como não reconhecer que na política os que são chamados de “anjos” se manifestam como verdadeiros “demônios”. Afinal, o balaio político está aberto a anjos que se revestem de demônios. Sendo assim,, todo cuidado é pouco. É hora de balançarmos o balaio político e vermos quem permanecerá nele.

Se alguém nos perguntar o que preferimos no balaio político do Brasil, podemos dizer: nem “anjos”, nem “demônios”, tão somente homens e mulheres que sejam “humanos”, que honram seus compromissos políticos, éticos e de cidadania.

* Doutor em Ciências da Religião pela UMESP e professor da Faculdade Batista de Minas Gerais
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