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24 de junho, de 2020 | 17:00

Ex libris ad virus (Dos livros para o vírus)

José Antônio Oliveira de Resende *

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO. Eles ainda guardam uma FELICIDADE CLANDESTINA. Vede... A PESTE do mundo não plantou entre eles AS FLORES DO MAL. Nem mesmo O TEMPO E O VENTO transformaram o prado vicejante em LAVOURA ARCAICA.

Do outro lado, AS CIDADES E AS SERRAS ecoam o que OS SINOS DA AGONIA choram. POR QUEM OS SINOS DOBRAM? O que pranteiam? E O VENTO LEVOU a resposta para cada recanto do planeta: TODOS OS NOMES de todos os homens e de todas as mulheres estão inscritos na lista ameaçadora das ILUSÕES PERDIDAS. Nunca esteve a RESSURREIÇÃO tão distante.

Ninguém poderia adivinhar O RISCO DO BORDADO que o FELIZ ANO NOVO preparou para depois do réveillon: a condenação universal a UMA TEMPORADA NO INFERNO, sorvendo o absinto de UM COPO DE CÓLERA.

É irônico, mas A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de um vírus foi o APOCALIPSE da história, o enredo do LIVRO SOBRE NADA, a distopia que confundiu A VIDA COMO ELA É.

A coerência se contorce nos embates entre O SER E O NADA. Mesmo oprimido, o ser teima em olhar para o alto, pois O SOL TAMBÉM SE LEVANTA. Triste olhar... Do seu topo, O MORRO DOS VENTOS UIVANTES solfeja trágica melopeia para OS MISERÁVEIS recitarem suas queixas.

Meu Deus, quantas VIDAS SECAS sepultadas na TERRA DESOLADA! A feroz FOME das covas devora os sonhos que jamais serão exumados. Enterros soturnos, sem o coro angelical do CÂNTICO DOS CÂNTICOS. A terra não consegue dormir, é TERRA SONÂMBULA, enfastiada de pesadelos despertos.

É tempo de LAMENTAÇÕES, de chorar o PARAÍSO PERDIDO, de tentar o impossível... mas o impossível vence: O BEIJO NO ASFALTO não faz MORANGOS MOFADOS brotarem novos.

Talvez penseis que tudo isso é CRIME E CASTIGO. Não sou Deus para julgar se é crime nem se merece castigo. Talvez imagineis que A CINZA DAS HORAS seja o ninho da fênix. Talvez a cinza seja o derradeiro farelo de um BAÚ DE OSSOS já desfeitos. Será? Afinal, o diário que o CEMITÉRIO DOS VIVOS guarda em suas tétricas alcovas é sempre inacabado.

No entanto, a ANGÚSTIA também pode gerar o broto GERMINAL de novos LAÇOS DE FAMÍLIA, evitando que sejamos condenados a CEM ANOS DE SOLIDÃO. Mesmo com o coração sufocado, temos que caminhar. Sem ÊXODO. As respostas virão nos passos que transformam. Sigamos juntos ON THE ROAD.

Olhai de novo para os lírios. Escutai: ALGUMA POESIA eles sussurram e colorem. Se os olhos sensíveis conseguem enxergar A COR DO INVISÍVEL, também podem entender o CLARO ENIGMA dos lírios. Mesmo sendo ceifados, eles voltam novamente, pois o impulso à vida faz com que os lírios não desistam de ser lírios.

A HORA DA ESTRELA virá. A noite vivenciará A METAMORFOSE da aurora e o céu mostrará a tão esperada ESTRELA DA MANHÃ. O que virá neste dia? Um ADMIRÁVEL MUNDO NOVO? Uma HISTÓRIA MEIO AO CONTRÁRIO? Como saber se será OU ISTO OU AQUILO?

Seja o que for, a lembrança não pode ficar apenas fixada no calendário. É preciso reinventar a história, fazer da lembrança uma QUASE MEMÓRIA para que o passado não se repita como um pêndulo trágico. Lembrar para recriar. Os lírios... Olhai os lírios! Em cada reaparecimento, a invenção de um novo florir.

* Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa do Departamento de Letras, Artes e Cultura da Universidade Federal de São João del-Rei e membro da Academia de Letras de São João del-Rei

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