18 de junho, de 2020 | 15:20

Por que governos mentem nas informações?

William Passos *

“A devoção a políticos apreciadores da ilusão ou da mentira escancaram o quanto somos mais atrasados do que imaginávamos”

No segundo semestre de 2014, o Brasil viveu um apagão estatístico temporário: para beneficiar a campanha de Dilma Rousseff, o governo federal decidiu “segurar” para depois da eleição a divulgação dos dados sobre o desempenho dos estudantes brasileiros em português e matemática, sobre o total da arrecadação de tributos, sobre o percentual de desmatamento e sobre o número de pobres e miseráveis do país. Naquele momento, avaliações independentes e informações oficiais já publicadas sinalizavam que os indicadores “segurados” mostrariam piora em todas as áreas.

Em setembro de 1994, o então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero, num episódio conhecido como “escândalo da parabólica”, renunciou ao ministério após ter sido flagrado antes de uma entrada ao vivo no Jornal da Globo. Na ocasião, o diplomata e economista havia dito: “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”.

Em regimes de exceção, como as ditaduras militares, é comum a manipulação dos dados oficiais e a divulgação de informações mentirosas para a população. Nas democracias, porém, esse tipo de atitude torna-se inaceitável. Saudosista da ditadura, que nos anos 1970 tentou esconder uma gravíssima epidemia de meningite, atuando para proibir a divulgação dos números oficiais de casos e mortes (o que faz com que, até hoje, não saibamos exatamente os números daquela tragédia), o Ministério da Saúde do atual presidente, que é militar da reserva, decidiu esconder os números oficiais (que, pela baixa testagem, são sempre muito menores que os verdadeiros) quando as mortes ultrapassaram a estatística de 30 mil. No penúltimo domingo (7/6), após anunciar o registro de 1.382 óbitos em 24 horas, o mesmo Ministério da Saúde encolheu o número para 525, sumindo com 857 mortes depois de uma hora e meia. O motivo da maquiagem, afirmou abertamente o presidente, foi atrasar os boletins para esconder as mortes dos telejornais.

Ao sonegar informações, além de atentar contra a saúde pública, Bolsonaro atuou simbolicamente para repetir dois crimes praticados pela ditadura: a censura e a ocultação de cadáveres. Em outro paralelo, nos anos 1970, a tentativa da ditadura de esconder a epidemia de meningite não funcionou. Agora na democracia, parte da sociedade se organizou para driblar a mentira oficial: mais rápido que o Congresso Nacional e o Conselho dos Secretários Estaduais de Saúde, que se ofereceram para compilar os dados, alguns veículos de comunicação decidiram compartilhar informação, montando um consórcio para fornecer números confiáveis. A reação fez os negacionistas colecionarem outra derrota: o empresário Carlos Wizard, que prometia recontar os mortos, desistiu de assumir a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.

Na mesma linha, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, pouco antes, na última semana de maio, havia decidido recontar os mortos da cidade, sumindo com 1.177 óbitos no dia 26. Cedendo às reações e percebendo a possível falta de credibilidade e desgaste em ano eleitoral, o político que esconde que é bispo licenciado da Igreja Universal voltou atrás.

Se nos obrigassem a resumir todos esses episódios numa só frase, certamente poderíamos dizer que, além de demonstrar que o vírus da sonegação de informação não tem matiz ideológica nem forma governamental, infectando igualmente governos de direita e de esquerda, ditaduras e democracias, o apoio a práticas autoritárias e a devoção a políticos apreciadores da ilusão ou da mentira escancaram o quanto somos mais atrasados do que imaginávamos.

* Geógrafo, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. Email: [email protected]
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