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07 de junho, de 2020 | 08:00

Coral e Orquestra do TJMG: estudando na pandemia

Atividades à distância permitem que integrantes se aprimorem durante quarentena

Os movimentos dos dedos de David Epifânio Silva Pinto são precisos ao marcar as posições das notas musicais, e o olhar compenetrado dele mira fixamente a partitura disposta à sua frente. Um dos braços do jovem permanece rijo sobre o peito, e o outro acompanha a mão em movimentos ritmados que fazem um bastão de ferro balançar de um lado para o outro.

Mas quem o vê, no quarto, empreendendo esse gestual, admira-se ao perceber que David abraça e toca um contrabaixo acústico imaginário. Assim, munido de uma força de vontade inabalável, ele vem participando das atividades da Orquestra Jovem do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), projeto da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj) da Casa.

Divulgação/ACS TJMG
David Epifânio e seu contrabaixo imaginário; na primeira foto, no alto, o professor do instrumento, Hudson CunhaDavid Epifânio e seu contrabaixo imaginário; na primeira foto, no alto, o professor do instrumento, Hudson Cunha
Com as aulas presenciais do projeto suspensas por causa da pandemia de covid-19, que impôs a todos o isolamento social, simular o contrabaixo e tentar imaginar os sons tirados dele foi a forma encontrada pelo jovem de 21 anos para participar da iniciativa durante este período, mesmo sem ter em mãos o instrumento musical.

"Minha mãe é hipertensa e estava doente, então eu não quis ir ao Coinj buscar o contrabaixo que me emprestariam durante a quarentena, pois fiquei com medo de me contaminar no Centro da cidade e levar o novo coronavírus para casa, o que a colocaria em risco", diz o jovem.

Ao mesmo tempo, David não queria abdicar do tempo de confinamento para avançar em seu aprimoramento musical. "A música dá sentido à minha vida, me ajuda em vários aspectos. Tenho déficit de atenção, e poder tocar um instrumento me permite desenvolver a atenção difusa. Além disso, quando estou tocando, esqueço os problemas", declara.

David é um dos cerca de 300 músicos — crianças, adolescentes e jovens — que compõem o Coral Infantojuvenil e a Orquestra Jovem do TJMG. Nestes tempos de pandemia, eles não pararam. "Assim que entramos em isolamento social, busquei soluções que nos permitissem continuar o trabalho", explica a coordenadora pedagógica do projeto, Luciene Villani.

A musicista, que também rege a orquestra, afirma que o momento tem sido de "reinvenção" para todos. Além das aulas online ao vivo, os alunos recebem vídeoaulas, áudios, links para salas de concerto, partituras novas e tarefas para casa. "O empenho de todos me emociona, pois conhecemos a realidade de cada um deles", conta.

São muitas, as dificuldades enfrentadas pelos integrantes do coral e da orquestra, bem como de seus familiares, e vão das limitações de espaço físico em casa até a falta de aparelho celular, tablet ou computador, ou mesmo de acesso à internet, para acompanhar remotamente as atividades.

"Vamos tentando vencer todas as dificuldades, pois para a grande maioria deles essas aulas são as únicas atividades regulares, e de qualidade, às quais estão tendo acesso neste momento, e sei que eles dão muito valor a elas", observa Luciene. E a equipe tem se empenhado para atender às condições de cada família, para que todos se sintam integrados.

A mãe do jovem David, Ronicleia dos Santos Silva, reconhece o esforço do filho diante das adversidades. "Não temos condições de ter o instrumento, mas mesmo assim ele não desanimou. Ver um filho se esforçando tanto e tentando aproveitar essa oportunidade para estudar mais é algo que deixa a gente muito orgulhosa", afirma.

Divulgação/ACS TJMG
Os irmãos Nathan (E) e Abner (D): os meninos temiam que as atividades musicais fossem interrompidas por causa da quarentenaOs irmãos Nathan (E) e Abner (D): os meninos temiam que as atividades musicais fossem interrompidas por causa da quarentena
Os irmãos Abner e Nathan Rodrigues, de 10 e 16 anos, também são motivo de orgulho para a mãe, Terezinha Rodrigues. Eles moram em Igarapé e entraram no projeto em 2019. Nathan aprende violino e Abner, violoncelo. "Nathan já tocava um pouco, por causa da igreja que frequentamos, mas sabia só o básico", diz Terezinha.

Por serem de uma família humilde, eles não tinham condições de comprar os instrumentos. "Mas a Coinj os emprestou e eles têm aprendido muito. Hoje, eles respiram música! A vida deles é tocar, e as aulas à distância estão sendo a salvação neste momento de quarentena. O maior medo deles era de que essas aulas fossem interrompidas", diz.

O tempo poupado com os deslocamentos é usado de maneira preciosa. Os meninos gastavam em média duas horas e meia no deslocamento de Igarapé a Belo Horizonte, para as aulas de música presenciais. Esse tempo agora está sendo usado para estudar os instrumentos.

"Neste momento, a música é o que está sustentando a minha vida. Ela ocupa minha mente e traz alegria à minha alma. Quando começamos o dia tocando, a música determina como será o restante dele. E assim contagiamos as pessoas ao redor", declara Nathan.

Segunda família
Reconhecendo também a importância da música e da manutenção das atividades do projeto na vida dos filhos durante a pandemia, Maria Aparecida Ferreira tentou driblar as dificuldades para que os meninos pudessem seguir com as atividades, como membros do Coral Infantojuvenil da Coinj.

A mãe de outra criança que integra o grupo doou um aparelho à família de Maria Aparecida, e tem sido assim, por meio do aplicativo WhatsApp, que Ester e Uriel Ferreira Santos, de 13 anos e 11 anos, respectivamente, têm participado das atividades e se destacado nas avaliações individuais.

"O coral é a segunda família deles, e é muito importante que eles continuem estudando. Sou muito grata ao projeto, não só neste momento, mas sempre. Meu menino, por exemplo, falava muito errado. Hoje, ele fala muito bem! No caso da Ester, a paixão dela é esse coral", conta a mãe.

Nesses dias de aulas remotas, Maria Aparecida tem aproveitado para ver como eles se desenvolvem musicalmente. "Mas não fico muito perto de onde eles estão, me afasto um pouco para não atrapalhar. Vejo que eles estão muito dedicados e, ao ouvi-los cantando, eu sempre me emociono", diz.

Um grupo de quatro meninas, de 9 a 12 anos de idade, que vivem na unidade de acolhimento institucional Lar Irmã Veneranda, do Grupo da Fraternidade Espírita Irmã Scheilla, também tem se beneficiado das aulas do projeto na pandemia. À distância, três delas mantêm as aulas de clarineta e uma de flauta transversal, além da teoria musical, destinada a todas.

"Ganhamos dois celulares para que elas pudessem acompanhar as atividades, e agora elas compartilham os aparelhos", conta Margarida Monteiro Arcanjo, coordenadora do lar. Segundo ela, a continuação das aulas do projeto da Coinj no período de isolamento social tem sido muito importante para manter uma rotina para as crianças.

Divulgação/ACS TJMG
As crianças seguem também com as aulas individuais; na foto, a aluna Giulia Mell e a regente Luciene VillaniAs crianças seguem também com as aulas individuais; na foto, a aluna Giulia Mell e a regente Luciene Villani
Margarida destaca a interação permanente com os professores e monitores do projeto, sempre disponíveis para atender os alunos. E ressalta também que as aulas de música à distância têm inundado de leveza a instituição, com os sons da flauta e clarineta suavizando a rotina dos que trabalham ali.

A regente Luciene Villani reconhece esse poder da música. "Como linguagem e forte meio de expressão, a música atinge a todos, sem distinção, e ganha um papel de destaque no mundo inteiro neste momento de isolamento social, junto com as demais artes", avalia.

"Temos acompanhado diariamente nas redes sociais o trabalho de artistas que criam, compartilham e nos permitem vivenciar momentos de pura beleza e introspecção, em meio a tanta tristeza e à incerteza da fase atual. Sinto-me grata por podermos manter o projeto nesta pandemia e ver nossos alunos e familiares com a música em suas casas", conclui Luciene.

Coral e orquestra
"Esforço e paciência são novas habilidades construídas nessa fase. Dessa forma, estamos em plena sintonia com o compromisso do TJMG: a Orquestra Jovem e o Coral Infantojuvenil não param! Tudo isso passará e em breve estaremos juntos novamente", observa a desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz, superintendente da Coinj.

O Coral Infantojuvenil e a Orquestra Jovem são iniciativas de sucesso desenvolvidas pela Coinj e oferecem a crianças e adolescentes a chance de descobrir um novo horizonte e novos caminhos, por meio da música. As atividades são voltadas principalmente para meninos e meninas em situação de vulnerabilidade social.

São oferecidas aulas de canto, teoria musical e diversos instrumentos. Os participantes têm a chance de se apresentar em inúmeras oportunidades, sendo uma delas a Cantata de Natal anual do TJMG, em dezembro, na sede histórica do Palácio da Justiça, na capital mineira.

O projeto do coral e da orquestra conta atualmente com oito instrutores — de violino, viola, violoncelo, contrabaixo, clarineta, saxofone, percussão e teoria musical —, além de um quadro composto em sua maioria por ex-alunos do projeto, sendo um spalla e cinco chefes de naipe, que atuam na orquestra e nas monitorias de instrumento.

E conta ainda com 10 monitores de orquestra e quatro monitores avançados — pianista co-repetidor, musicalização infantil, violão e flauta transversa — e sete trabalhadores vinculados à Associação Profissionalizante do Menor (Assprom), alunos do projeto que se preparam para atuar como monitores.
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