06 de maio, de 2020 | 16:30

Regras de etiqueta em tempos de coronavírus

Amir José de Melo *

“Nos locais onde se servem alimentos, torna-se dispensável o contato físico, especialmente o aperto de mãos”

“O aperto de mão tem sido bastante discutido como uma das formas de maior transmissão da doença”

Em 2005, trabalhando na então Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer de Coronel Fabriciano, fui designado para cuidar da organização de todos os eventos promovidos pela pasta, fossem eles, culturais, sociais, cívicos ou esportivos. Eu teria que coordenar todas as atividades, em todas as suas etapas, até a realização final. Nesse propósito, fui enviado a Belo Horizonte para participar de um curso de capacitação na área. A formação, oferecida por uma instituição privada, foi amplamente aprofundada com aulas teóricas e práticas, enriquecidas por um portfólio de materiais, incluindo apostilas ricamente detalhadas e ilustradas.

Em um módulo de quarenta horas, oito foram dedicadas ao estudo das regras de etiqueta, abrangendo a história de sua origem e respectiva importância para a sociedade. O ponto de partida foi a etimologia da palavra, cuja expressão vem do francês, étiquette, definida como o conjunto de normas cerimoniais que estabelecem ordem de precedência e de usos a serem observados em eventos, sejam públicos ou privados. Estabeleceu-se que as regras de etiqueta devem ser rigorosamente exploradas nos serviços diplomáticos de todos os países. Apesar das peculiaridades culturais existentes em diferentes lugares do mundo, nos serviços das relações internacionais, a observância de um conjunto padronizado de normas de etiqueta sociais é imprescindível.

As regras estudadas, uma a uma, foram fundamentadas com explicações sobre os objetivos e funções. Algumas foram alvos de intensos debates. Discutiu-se, por exemplo, sobre a real necessidade de aplicabilidade de algumas das normas de etiqueta relacionadas às solenidades em que são servidos alimentos, como almoços, jantares, cafés e coquetéis. As opiniões divergiam, variando de importantes para uns, até idiotices para outros.

Entre os modelos de serviços analisados, estava a composição de uma mesa de refeição. Tudo deveria seguir um padrão definido criteriosamente, como a distância entre as cadeiras, tipos de pratos, talheres, copos e taças a serem usados, incluindo suas distribuições sobre a mesa. Somam-se, ainda, o estudo dos preceitos de comportamento nessas ocasiões. Particularmente, foram os princípios pertinentes aos cumprimentos dirigidos às autoridades e demais convidados que me chamaram mais a atenção.

Para tais momentos, é estabelecido que todos façam a higienização das mãos antes de se assentarem à mesa. Aqueles que chegarem posteriormente devem ter o cuidado de não cumprimentarem os outros com aperto de mão, troca de beijos no rosto ou outra forma de contato físico. No máximo, devem pronunciar um cumprimento verbal, como “boa noite”, seguido de aceno com as mãos. Analisemos: quem chegou depois, veio de onde? Se chegou dirigindo, no mínimo, usou o volante, manuseou as chaves e a maçaneta da porta do veículo, instrumentos, por sua vez, impregnados de bactérias.

Como frequentador de bares e restaurantes em diferentes cidades, seja no Vale do Aço ou outras regiões, observo a forma rotineira de cumprimentos aos clientes, com apertos de mãos, seja por parte de garçons ou até mesmo pelos proprietários dos estabelecimentos. Buscando serem agradáveis, cortejam dessa forma, um a um, à medida que chegam, sem saber a origem e, consequentemente, onde colocaram as mãos. Em seguida, continuam o trabalho, servindo alimentos, mudando a disposição de cadeiras e mesas, recebendo a conta em dinheiro ou cartão. Isso no afã de atender aos clientes, com eficiência e cortesia, em todas suas solicitações. Evidentemente, não dão conta de lavar as mãos com frequência. No entanto, seguindo a regra de etiqueta, nos locais onde se servem alimentos, torna-se dispensável o contato físico, especialmente o aperto de mãos, não somente neste preocupante contexto de pandemia. Já presenciei um proprietário de bar cumprimentar, dessa maneira, um amigo que acabara de sair do banheiro. Será que ele lavou as mãos? Perguntei a mim mesmo.

Certa vez, durante conversa com amigos, comentei a regra específica do aperto de mãos. Alguns concordaram que deveria ser uma prática cotidiana. Outros chamaram de bobagem. Alguém se referiu como frescura. Ao comentar em uma mesa de bar com minha família, um parente da minha esposa pediu-me para eu jamais recusar o aperto de mão de alguém, independentemente do lugar. Caso contrário, eu seria considerado um chato ou mal educado. De fato, a franqueza em momentos sociais, é também debatida como uma fuga às regras de etiqueta. Ao cobrar de garçons ou proprietários uma modificação na conduta, eu seria visto como a mais antipática das pessoas. Apesar disso, estou aqui, expondo o tema a público, por entender que a discussão é imperativa, oportuna e atual.

Em tempo de coronavírus, o aperto de mão tem sido bastante discutido como uma das formas de maior transmissão da doença. Ao passar por uma consulta médica há um mês, distraidamente, ao entrar no consultório, estendi a mão ao médico, que imediatamente, recusou dar prosseguimento ao cumprimento. Fiquei sem graça, tanto pela recusa do médico quanto pela minha distração.

Nesses tempos de Covid-19, questões ligadas à higienização das mãos não são novidades. Na minha infância e adolescência, esse assunto foi tema de diversos momentos em sala de aula. No Ensino Médio do Colégio Imaculada, em Coronel Fabriciano, ficou gravada na minha memória uma aula sobre boas práticas sociais. Naquela atividade, a professora Gelcira Lage, relacionou os hábitos de higiene às boas maneiras, identificando-os como fundamentais regras de etiqueta. Nesse propósito, destacou, justamente, os cuidados com a limpeza das mãos.

Em meados dos anos oitenta, lembro-me também de um hospital da região treinar os funcionários de todas as áreas sobre higienização das mãos, exatamente, como difundido, insistentemente, pela mídia na atualidade. Uma estatística da época relacionava certa porcentagem de infecção hospitalar ao fato de os profissionais não lavarem as mãos ou a realizarem de maneira inadequada. Estudos posteriores provaram que, nas instituições hospitalares participantes da campanha de lavagem das mãos e que ofereceram o treinamento, os índices de infecção apresentaram uma queda considerável.

Além disso, em outros momentos de ameaça de epidemia, o aperto de mãos esteve no centro das discussões. Cita-se a gripe H1N1, ocorrida em 2009. Apesar de tão difundido na época, parece que a população se esqueceu ou talvez nem tenha absorvido tais ensinamentos.

Nos últimos dias, percebi a divulgação da ideia de retirar os sapatos ao entrar nas residências, também como uma forma de ajudar no combate à propagação do novo agente infeccioso. De fato, imaginem o que deve ter de contaminação nas solas de um par de sapatos? Voltando ao mundo da etiqueta, essa já é uma severa regra seguida pelos japoneses, onde quer que estejam. Assim como outros princípios, formam um conjunto de normas habituais adotadas pelos nipônicos, que relacionam boas maneiras e questões sanitárias.

* Professor de História da Rede Pública, Coordenador do Museu Histórico “José Avelino Barbosa” em Coronel Fabriciano
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Comentários

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Gildázio Garcia Vitor

07 de maio, 2020 | 08:47

“Parabéns Amir por mais esta belíssima lição, coisa de Professor que gosta de ensinar o que sabe. Obrigado!”

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