09 de abril, de 2020 | 16:00

O conflito entre capital e trabalho em época de Covid-19

Maria Inês Vasconcelos *

A medida provisória 936/20, recém-editada pelo governo, trouxe em seu âmago um leque de possibilidades para o empregador, nessa fase marcada por enormes turbulências decorrentes da pandemia da Covid-19. Diante de mais uma crise no capital, o Estado, hoje mínimo, se recolheu fortemente frente ao direito do trabalho positivado, permitindo o acordo individual entre empregado e empregador.

A flexibilização atingiu seu ápice. O não intervencionismo no contrato de trabalho chegou de forma acentuada. No “pacote trabalhista”, está alicerçada a ideia de que é preciso ajustar o trabalho dentro da economia. O grito foi dado e a ordem é clara: trabalhadores devem acudir a economia.

No entanto, algumas reflexões se fazem necessárias, entre elas a visão deturpada de que é possível manter a produção com a eliminação da classe operária.

Há bem pouco tempo, não havia o menor espaço para acordo entre as partes do contrato de trabalho. Hoje, a individualização da negociação, característica do ultra liberalismo, está na pauta do dia.

Apoiar a turbulência do capitalismo através das ideias flexibilizatórias respaldadas pelo direito do trabalho é a tendência, porém a estrutura jurídica dos referidos ajustes não deve ultrapassar um limite, que é justamente o respeito à boa fé. Mesmo nessa fase de liberdades e recolhimento do Estado ainda vigoram os princípios gerais de ordem pública e a Constituição, nossa ‘lex essencialis’.

No contexto atual, em que o Estado se caracteriza como neoliberal, não se pode permitir que ele tome decisões sobre temas marcantes do direito, no âmbito trabalhista, para dotar o capital de poder de reação de forma tão precipitada.
Não se pode olvidar que o direito do trabalho transita entre o reconhecimento da dignificação da pessoa humana, conceito do economista francês François Perroux, e a bela imagem traçada por Eduardo Couture da “própria substância humana”.

Mais uma vez, o trabalho servirá de remédio ao capital, contudo, é preciso conservar e equilibrar essa conta sem agredir a segurança jurídica e tampouco ofender os direitos fundamentais, valor maior do nosso país.

Além do mais, a conta não pode ser paga somente pelo trabalhador assalariado. É preciso ter em mente que flexibilizar não significa eliminar direitos, lembrando ainda que essas metamorfoses no trabalho não podem ser realizadas com a eliminação do próprio trabalhador. O desemprego estrutural, a miséria e a fome nunca foram remédios para manter a economia de pé. O estado mínimo ressurgiu, mas não pode eliminar a classe que vive do trabalho, pois essa seria, sim, a morte do próprio capitalismo.

* Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora.
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Comentários

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Tião Aranha

09 de abril, 2020 | 19:23

“A questão toda é manter o estado mínimo, que, segundo Marx (Salário, preço e lucro), a tendência geral da produção capitalista é a redução do padrão médio dos salários e não para a sua elevação. Os investidores inteligentes procuram ficar ao lado dos responsáveis pelos meios de produção, neste caso, os trabalhadores. Com a crise do Coronavírus, infelizmente, e como a corda sempre estoura pro lado mais fraco - os grandes investidores geralmente fogem com o capital pra países onde encontram maior proteção - para não passarem pelo estigma da humilhação ridícula do empobrecimento; em face do convívio humano das demandas da sociedade civil, ou seja, do pai pobre e do país pior ainda. Os presidentes da esquerda incentivaram muito o consumismo. Não sei o que esses políticos vão arrumar com esse país deles.”

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