08 de abril, de 2020 | 13:25

Quarentena: fico ou não fico? Eis a questão

Hiltomar Martins Oliveira *

O enfrentamento da pandemia provocada pelo surto do novo coronavírus (Covid-19) levou os governos de todo o mundo a tomar uma série de medidas inusitadas em todas as esferas da administração pública. Seus efeitos na vida de bilhões de pessoas ainda não podem ser mensurados com precisão, mas é fora de dúvida que a crise provocada por elas marcará a história do século XXI.

De repente, um procedimento de saúde sanitária, um tanto esquecido, tornou-se a vedete e o pesadelo deste triste espetáculo de luta mortal contra o Covid-19. Trata-se da quarentena, o espaço de tempo em que se colocavam incomunicáveis e deixava-se em observação médica as pessoas que vinham de lugares infectados ou suspeitos de serem portadores de alguma doença contagiosa.

Veneza, no século XII, teria sido a primeira cidade a aplicá-la, e o primeiro posto de quarentena foi construído em 1383 no porto de Marselha, na França. Desde então, a quarentena tem sido usada para isolar os grupos mais suscetíveis de contrair determinadas doenças ou de se tornarem perigosos à saúde pública, caso se tornem portadores delas, por exemplo, como professores ou aqueles que manuseiam alimentos. Entretanto, ao longo do tempo, o procedimento da quarentena foi sendo posto de lado, em razão do avanço no combate às doenças viróticas (pesquisas biológicas e desenvolvimento de potentes medicamentos), do sucesso (relativo) das campanhas de vacinação em massa e do eficiente combate aos vetores das doenças transmissíveis (por exemplo, a febre amarela).

O surgimento da epidemia do Covid-19 na Província de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, através de seu rápido espalhamento de contágio, levou ao colapso o sistema hospitalar daquela província. O governo chinês recorreu, então, à medida extrema de isolar literalmente toda a província do resto do país, aplicando um conceito estendido de quarentena, uma vez que toda a população, indistintamente, teve de se submeter ao isolamento.

Àquela altura, o mundo inteiro estava de olho nos acontecimentos na China e já se criara o consenso de que, mais cedo ou mais tarde, a doença chegaria a outros países, apesar das declarações em sentido contrário do governo daquele país. Infelizmente, numa onda avassaladora, o surto do Covid-19 atingiu praticamente todos os países do mundo em menos de dois meses. Em alguns deles de forma trágica, como na Itália, Espanha e Irã, onde os sistemas hospitalares de saúde entraram em colapso por absoluta insuficiência de leitos para tratar os doentes mais graves, que precisam de ventilação mecânica para continuar em tratamento.

Os números impressionam, e a cada minuto surgem novos casos confirmados de contaminados e cresce número de mortos, contabilizados diariamente. Há necessidade urgente de apresentar soluções, mas estas não existem e a esperada vacina, remédio rápido para males dessa natureza, não surgirá tão rápido, segundo os laboratórios farmacêuticos mais famosos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), por seu lado, passou a recomendar que a quarentena - ou isolamento social - de toda a população seria a forma de diminuir a velocidade de contágio. Recorreu-se, então, a um truque de estatística: uma figura em que duas curvas, representando o número de casos confirmados numa linha de tempo, são superpostas: uma é o pico da epidemia, em curto espaço de tempo; a outra, a progressão da mesma epidemia, muito mais baixa e “diluída” ao longo do tempo, evidentemente na suposição da aplicação de uma quarentena indiscriminada, tal como proposta pela OMS. A impressão visual atinge seus efeitos imediatamente: qualquer um se convence de que os efeitos da quarentena são inquestionáveis.

Dessa forma, o chamado isolamento social apresentou-se como uma panaceia para a salvação de uma catástrofe iminente: o colapso do sistema de saúde público, dada a falta de leitos hospitalares para atender a todos os infectados pelo Covid-19 ao mesmo tempo.

Ora, o isolamento social de populações inteiras, de milhões de pessoas simultaneamente, em vários pontos do planeta, jamais havia ocorrido antes, e faltam estudos científicos exatamente por causa disso. Houve sérios questionamentos não só quanto aos efeitos colaterais de uma quarentena compulsória sobre a saúde física e psicológica das pessoas, quanto aos efeitos, ainda não totalmente conhecidos e mensuráveis, sobre a economia e a própria política. Em um estudo publicado na revista médica britânica “Lancet”, os autores usaram três bancos de dados de estudos médicos anteriores e chegaram à conclusão de que os efeitos psicológicos negativos da quarentena incluem estresse pós-traumático, confusão e raiva, além de ansiedade.

Entretanto, em estatística, não é recomendável chegar a conclusões se baseando apenas em números absolutos; antes, tem de se fazer uma estratificação por categorias ou faixas da mesma amostragem para avaliar os efeitos do mesmo fenômeno. Assim, vistos de forma absoluta, os números apresentados espelham uma realidade sombria, fria, assustadora, mas, quando se parte para uma análise por grupos de risco ou faixas etárias, a realidade muda para outras cores. Vejamos as considerações abaixo para melhor refletir sobre o assunto.

Em primeiro lugar, no caso da epidemia do Covid-19, sabe-se que a amostragem de testes não alcança sequer 80% de toda a população, e dos 20% testados, somente 3% foram confirmados como positivos; destes, cerca de 3% chegaram a óbito, e ainda mais, desconhece-se o grau de disposição que tinham em decorrência de outras doenças já contraídas. E não se têm divulgado os números relativos a outras causas de mortalidade, principalmente no grupo dos idosos, mesmo porque estes já enfrentaram outros surtos epidêmicos nos últimos vinte anos, tais como o de H1N1 e SARS. Portanto, são necessários estudos mais aprofundados para estabelecer a correta causa e a correlação da mortalidade dos que contraíram a doença e vieram a óbito aparentemente por causa dela. Essa é uma obrigação das autoridades de saúde e das entidades médicas para esclarecer melhor a população e que não está sendo cumprida.

Em segundo lugar, não há estudos dos efeitos da quarentena compulsória, o assim chamado “isolamento social”, da forma como até agora realizado: em milhões de pessoas ao mesmo tempo, em várias partes do planeta. Como já foi dito, em casos pequenos e isolados, já foram constatados efeitos negativos e, afinal, não se pode separar a saúde física da saúde mental e, conforme o senso comum, os efeitos de um isolamento sobre um idoso é muitos mais devastador do que para os não idosos.

Em terceiro lugar, o papel da mídia na cobertura da pandemia do Covid-19 está muito além daquele de informar o público com isenção e qualidade. Houve todo um direcionamento das redes de televisão, em especial, para readequar sua programação diária de forma a transmitir informações somente sobre o Covid-19. Assim, numa estranha confusão entre objetivos empresariais e suspeitáveis interesses econômicos e políticos, a mídia televisiva tem feito tão só confirmar a opinião pré-estabelecida sobre a necessidade do isolamento social, sem apresentar também as opiniões divergentes, impedindo o debate, ou mesmo suprimindo-o.

Colocada a questão existencial dessa forma, os fatos deixam de ser vistos como deveriam: sem paixão, com racionalidade, com equilíbrio. Mas as consequências da pandemia já estão aparecendo em curto prazo: crise financeira, quedas nas bolsas de valores, supervalorização do dólar; desaceleração da atividade econômica, queda no crescimento do PIB, fechamento de empresas; déficit público nas alturas, crise política, crise fiscal; crescimento do desemprego, explosão da inadimplência, desabastecimento; fome, pobreza, conturbação social; criminalidade; miséria...

Assim, uma vez que o debate não se tem instaurado, o que seria uma missão principalmente do meio de comunicação mais poderoso do momento, a televisão, a população é forçada, indiretamente, a tomar uma decisão como se fosse um verdadeiro plebiscito: OU FICAR DE QUARENTENA OU CONTRAIR O COVID-19. Fora disto não há salvação, ou melhor, a mínima possibilidade de se salvar, como se fosse uma questão de catecismo: crer ou não crer; o céu ou o inferno; converter-se ou não se converter.

Ora, catequizar não é informar, não é discutir, não é formar opinião, mas tão só crer ou não crer. Não é artigo da razão, e sim, de fé, somente. Então, somos assaltados pela dúvida, eterna inimiga do corpo e da alma do homem, e tomados por uma estranha sensação: a de que a ciência, reconhecendo sua incapacidade de dar uma resposta rápida e eficaz ao tratamento da pandemia do Covid-19, teria se rendido à fé. Talvez seja essa a mensagem oculta, endereçada aos nossos corações, enclausurados na quarentena, para que voltemos a dialogar com a natureza, e nos reconheçamos quão insignificantes e impotentes somos diante dos seus mistérios.

* Advogado, escritor, professor universitário. Membro da Seccional Vale do Aço do IAMG.
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Comentários

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Tião Aranha

08 de abril, 2020 | 20:05

“É a Paz que vem de Kant. - Neste momento, temos que ter em mente os seguintes pensamentos:
1) paz e estabilidade.
2) disposição para o trabalho e união da população. (Ambas parecem simples
demais, mas não são. Há muitas regiões do mundo tomadas por guerras,
desastres naturais, fome e doenças, assim como por conflitos raciais e étnicos).Dizia Aristóteles que a Política é a ação do homem na sociedade. É por essa
?energia da vida? que a semente germina, a planta cresce, a célula se multiplica.
É a essência da vida criadora sempre manifestada pela Natureza.
É uma força que excita a vontade a agir e nunca se satisfaz. Karl Marx veio para explicar o capitalismo e colocar em pratica a doutrina de a social - democracia tão almejada por muitos. Tão entendida por poucos.
Infelizmente, os indiferentes e os pessimistas quase não a utilizam.
Por outro lado, o homem que busca o êxito trás consigo certa ?atmosfera
simpática?. Passada a crise do coronavírus. Na esfera política, todos os conceitos serão transformados a partir de uma reforma política e tributária urentes visando os interesses mais coletivos do que os pessoais através de um parlamento livre.
Caso contrário, vamos ter que voltar à filosofia e à ciência do século XVIII, conhecido como o século das luzes-, decorria do próprio progresso material (desenvolvimento das forças produtivas) e do crescimento e
diversificação da burguesia. (A corda sempre estoura pro lado mais fraco). Sempre. Como hoje, a maioria dos filósofos reformistas acreditam que o Estado seria capaz o basante responsável por realizar as reformas necessárias que conduzem a sociedade no caminho do progresso e da razão. Parece que o maior apelo, hoje, está votado para uma maior valorização da vida em Comunidade. - Ou será que a História sempre volta ao seu ponto inicial de origem? Fica aí essa pergunta no ar.”

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