30 de março, de 2020 | 14:00

O jogo do capitão

Gaudêncio Torquato *

A politização da pandemia era bastante previsível por esses nossos trópicos. Afinal, a tensão que alimenta as correntes pró e contra o governo Bolsonaro é detectada no radar da política desde os idos eleitorais de 2018, e o comportamento açodado do chefe do Estado, nos últimos tempos, tem funcionado como lenha na fogueira. A esta altura, não há arquitetura diplomática que consiga conciliar as duas visões que impregnam o pensamento nacional.

De um lado, a banda da ‘intelligentsia’, liderada por cientistas e especialistas, que recomenda a rígida quarentena com ênfase nas pessoas com mais de 60 anos, e, de outro, a ideia de abrir o portão travado da economia, com a volta ao trabalho daqueles que não estão na área de risco, pressupondo, ainda, a abertura das escolas e das atividades produtivas.

A primeira linha é compartilhada pelas principais lideranças mundiais, governos e instituições, a partir da Organização Mundial da Saúde; a segunda tem na vanguarda de defesa o presidente Jair Bolsonaro. Que quer jogar usando suas próprias regras. Até sua fonte de inspiração e exemplo, Donald Trump, teve que recuar de sua posição inicial, de considerar passageiros os efeitos do Covid-19, e aceitar o regime de quarentena nos Estados Unidos, que agora se transformam em epicentro da pandemia.

A tese de que a economia fechada pode ser pior do que fechar a população em suas casas é polêmica, mas a maior parte dos pensadores, incluindo os economistas, aponta como absoluta prioridade a luta para "salvar vidas". Deixemos a discussão para os especialistas e vejamos o que poderá ocorrer ao país na roda da política, a partir das duas correntes que continuarão a pelejar na arena da disputa político-eleitoral.

Primeiro, é fato que o presidente Bolsonaro perde razoável parcela de seu vetor de forças. Os governadores fazem um cerco a ele. Os seus 30% de votos já dão sinais de arrefecimento. Já não teria hoje 57 milhões de eleitores. Seus exércitos nas redes sociais já não mostram o sentido aguerrido dos primeiros meses de governo.

Segundo, fortes parcelas das classes médias, que nele votaram, se distanciam de um discurso cada vez mais assombrador.

Terceiro, o Congresso, mesmo disposto a aprovar as pautas de interesse do Executivo, sob a sombra aterradora do coronavírus, tende a agir com independência. Os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, fizeram duros pronunciamentos sobre a manifestação presidencial tratando da crise pandêmica.

O capitão não dá sinais de que vai mudar de ação ou de expressão. Os generais que o cercam com ele se alinham, mesmo com imenso esforço para interpretar o que ele disse. O vice-presidente, Mourão, até tentou dizer que ele teria se comunicado mal ao ser contra a quarentena. Ora, é contra mesmo. O ministro da Saúde, Henrique Mandetta, também tentou driblar o verbo para não desdizer o chefe. O chamado gabinete do ódio, com presença dos ‘olavistas’ e do filho Carlos, dá o tom do discurso presidencial.

O nó está feito. Quem poderá desatá-lo? Apenas o desfecho da crise contém a resposta. Se a curva da morte continuar a subir em escala progressiva e acelerada, os defensores de rígida quarentena elevarão sua expressão. A recíproca é verdadeira. Portanto, o resguardo da imagem presidencial está dependendo da evolução – negativa ou positiva – da crise.

Os governadores, unidos na guerra contra a pandemia, poderão vir a se transformar em grandes cabos eleitorais das eleições de outubro, se elas não forem adiadas sob o calor de uma luta que deixará marcas profundas no corpo nacional. A esfera política tenderá a agir com pragmatismo. Nesse caso, mais adiante, levarão para a balança os pesos contra e a favor de Bolsonaro. E se continuar acirrando a animosidade, Bolsonaro terá contra ele a maioria do Parlamento. Será muito difícil ao presidente subir ao pódio de 2022 caso continue apostando no confronto com alas contrárias e repudiando as pressões dos conjuntos parlamentares. Claro, 2021 poderá apresentar um PIB de índice mais elevado, e esta será a esperança do capitão. Que já pode inserir 2020 em seu arquivo de tempos perdidos. Mesmo com o jogo ainda no primeiro tempo, sua posição já está reservada na galeria dos líderes mais estrambóticos do planeta.
 
* Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twitter@gaudtorquato.
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Comentários

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Tião Aranha

31 de março, 2020 | 00:36

“Não bastasse a poluição da corrupção que tudo suja, temos ainda que estarmos prontos pra lidar contra 'microrganismos invisíveis' dessa pandemia do Coronavírus que veio pra acabar de vez com a humanidade. O papo hoje em dia é estar ligado com tudo que anda rolando por aí. Ideias e tendências mal elaboradas de alucinados acabam penetrando em nós, impondo-se. Mas é isso mesmo, como dizia o General Leônidas Pires Gonçalves "Quem come guerra não pode lamentar morte". Parece mesmo que a Psicopatologia consiste numa luta contra a verdade, o amor e a beleza. Quem tem as rédeas do poder tem que buscar com espírito crítico novos caminhos de vida para a Sociedade. "Se a riqueza é fruto da justiça e da legalidade, então a pobreza é fruto da injustiça e da ilegalidade". Sócrates chamava a atenção quando dizia que a vida não examinada não vale a pena ser vivida. Este texto oportuno remete-nos a essa Reflexão.”

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