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20 de março, de 2020 | 16:00

A época da descidadania digital

Maria Inês Vasconcelos *

Estamos vivendo uma era de surpresas e estranhamentos. Cada dia que passa surge uma novidade no campo tecnológico e uma série de fetiches novos, que vão além do desejo fútil de trocar o celular por um novo em folha. Os abusos no campo da tecnologia não são tão inocentes assim, vão além desse consumismo de vanguarda e nos fazem refletir sobre o conceito de cidadania, eis que a vida em sociedade só é possível entre cidadãos que saibam conviver entre si, respeitando regras e limites, sejam eles estatais ou sociais. Não dá para ser de outro jeito.

Filosoficamente, pode-se dizer que podemos ter diferentes visões sobre o mundo, percepções individuais, mas há que se observar regras e o bem comum. Talvez por isso Jean-Jacques Rousseau, filósofo iluminista francês do século 18, afirmava que a vida social corrompe o homem, ao colocá-lo em contato com os vícios e a mentira.

A cidadania alcança as questões econômicas e sociais, e o efetivo exercício da vida em sociedade não é só votar. Cidadania está ligada ao campo da convivência e interação, que só é possível com as fronteiras definidas de direitos e liberdades individuais. ‘Dura lex, sed lex (A lei é dura, mas é a lei), sem espaço para desvios.

No campo da tecnologia, vivemos uma verdadeira descidadania, presente na ontologia do nosso cotidiano. Quase passamos despercebidos e muitas pessoas são coniventes ou coautores, por exemplo, das perversas ‘fake news’ e dos crimes de apropriação de dados, os ‘phishings’, ‘spams’, ‘malwares’ e todas as práticas criminosas de informações do usuário ou das armadilhas utilizadas para a captura de dados, são algumas mostras dessa descidadania digital.

Além disso, nosso país vem sendo marcado por enormes disparidades no campo econômico e por constantes violações à Constituição Federal, apelidada de Constituição Cidadã, por ter sido concebida no auge do processo de redemocratização do Brasil. Muitas ações têm sido feitas para conter os chamados crimes virtuais, previstos no Código Penal, no sentido de evitar essa epidemia anticoletiva marcada pela irresponsabilidade e de uma subjetividade alienada e inautêntica.

Tudo isso nos leva a uma reflexão, eis que o conceito de cidadania se estabelece em cima da compreensão de que não só as ações estatais, mas também as ações individuais, podem possibilitar a vida em comum, não se afastando da ideia de que todo homem é titular ou destinatário de um determinado número de direitos universais e detentor de um específico nível de igualdade.

Malgrado vivamos sobre a égide de uma constituição cidadã, no que tange ao uso da tecnologia estamos longe de sermos verdadeiros cidadãos, seja na questão dos crimes virtuais ou no crescente número de usuários da web, que ao invés de se valer da tecnologia para praticar o bem, vão ao contrário, desvirtuando sua finalidade e criando todo tipo de malefício, se apartando totalmente do conceito de cidadania e da ideia da vida em comunidade.

A descidadania digital está em qualquer lugar, inclusive dentro de casa, estampada na omissão de papais e mamães que, desatentos aos excessos das crianças, permitem horas na tela, o que vem produzindo uma legião de meninos doentes, antissociais e com grandes perdas escolares.

Diante desse cenário, e para responder a essa crise de valor, é preciso fazer uma parada em legítima defesa daqueles usuários de boa-fé e éticos, já que a vida em comunidade exige que sejam contidas as práticas que causem o desvirtuamento da paz social, sob pena de instalação do caos.

É degradante e hipócrita pensar que possamos ser coniventes com essas práticas, cabendo a nós pelo menos a educação de nossos descendentes, deixando para o estado legislar e praticar as ações, projetos e políticas públicas e sociais, mas lembrando da importância da participação da própria comunidade para conter esses abusos tecnológicos informacionais e digitais, resgatando o direito à cidadania.

* Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora.
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Comentários

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Tião Aranha

20 de março, 2020 | 17:16

“O mundo não é tão puro, como queria o francês Rousseau, porque naquele já naquele tempo o homem já não se cuidava com zelo do meio ambiente; dentro e fora do cidadão: o indivíduo nasce puro e é a sociedade que por natureza o corrompi. Lá, ele já sabia que o mundo (puro) não é tão puro porque é i-mundo. Por outro lado, nessa questão de cidadania estamos muito intrinsecamente ligados à questão da Democracia. Ora, se na prática fosse assim respeitado o limite de cada um, na prática, sobre 'essa questão de direitos e deveres do cidadão'. O exemplo tem de partir lá de cima. Pior: roubam, não assumem o erro, e continuam roubando; não devolve o que roubaram e continuam usufruindo das benesses do poder - pensando que o povo ainda é bobo. O Direito não é tão Direito assim. - Será que faz jus um procurador ou desembargador( tão entendidos de "justiça") ganhar o salário exorbitante que ganham em detrimento duma maioria de trabalhadores brasileiros que sobrevivem apenas com um salário mínimo? Todas as profissões não são iguais? Nesta crise do coronavírus recorrem ao biólogo, professor, pra dar explicação sobre a multiplicação do vírus no núcleo da célula. Um professor ganha mil e quatrocentos reais em média por mês. Pergunte a um jogador de futebol se ele sabe o que é uma célula, e ganha salários astronômicos. Do mecanismo como o vírus corona penetra na célula, nem pensar! O remédio da malária (invenção brasileira) está sendo usado até na China, EUA, como saída para essa doença que assombra o mundo graças aos nossos cientistas que tb tiveram um professor. Torraram bilhões de reais em olimpíadas e copa, faltam hospitais e os estádios estão vazios. As novas tecnologias trouxeram resultados, mas a maioria não está sabendo fazer o uso das mesmas. (Que falta faz uma Educação de qualidade...).”

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