10 de março, de 2020 | 16:45

Por que o Bolsa Família não gera preguiça?

William Passos *


Na opinião de muitas pessoas, baseada na percepção do próprio cotidiano, programas de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, geram comportamento preguiçoso nos seus beneficiários, o que, de certa forma, seria ruim para a sociedade. Mas será que isso é verdade?

Criado em 2003, o Programa Bolsa Família foi tecnicamente concebido como um mecanismo condicional de transferência direta de renda, consistindo numa ajuda financeira às famílias pobres (com renda por pessoa de R$ 89,01 a R$ 178,00) e extremamente pobres (com rendimento por pessoa até R$ 89). No caso das famílias pobres, a condição é que elas tenham gestantes e crianças ou adolescentes entre zero e 17 anos. A contrapartida é que as crianças e adolescentes de seis a 17 anos estejam frequentando a escola; que as gestantes e mulheres em fase de amamentação busquem acompanhamento médico; e que as crianças estejam com a vacinação em dia. O objetivo é que as transferências condicionadas de renda quebrem o ciclo geracional da pobreza, fazendo com que os filhos tenham sempre uma vida melhor do que a dos pais.

Atualmente, o programa atende cerca de 14 milhões de famílias, segundo o Ministério da Cidadania, e cada uma recebe um valor médio de R$ 191. Em 2019, o Bolsa Família injetou aproximadamente 33,6 bilhões de reais na economia, movimentando, principalmente, os municípios mais pobres. Por terem economia fraca, são os pagamentos do Bolsa Família, junto das aposentadorias e pensões do INSS e da renda dos servidores públicos, especialmente o das prefeituras, que garantem a sobrevivência desses municípios. Um estudo do economista Marcelo Neri, na década de 2000, que, entre outros, gerou o livro “Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania”, concluiu que cada real injetado na economia pelo Bolsa Família se multiplica em mais um real circulando.

Por funcionar, ao mesmo tempo, como política de combate à fome - ao garantir três refeições por dia -, redução da pobreza, da miséria e das desigualdades sociais, inclusão escolar e aumento da cobertura de assistência médica feminina e de vacinação infantil, o Bolsa Família foi premiado pela ONU, projetando o Brasil internacionalmente e suscitando o debate sobre a possibilidade de ter induzido o surgimento de uma “nova classe média” no país.

Mas apesar de todos esses impactos positivos, muitas pessoas ainda veem o Bolsa Família como um indutor da preguiça individual e do aumento da natalidade. É verdade isso? A resposta é não. Tanto as avaliações técnicas do governo federal quanto os estudos científicos apontam que o valor médio de R$ 191 não é suficiente para os beneficiários optarem pela permanência no programa, em vez de um emprego com carteira assinada, com salário mínimo, INSS e FGTS. Por outro lado, a fecundidade feminina, mesmo das mulheres mais vulneráveis, vem caindo drasticamente a cada década, atingindo, atualmente, 2,9 filhos entre as mulheres mais pobres e com menos escolaridade e 1,7 filhos no conjunto da população feminina brasileira, segundo o IBGE. Para ter uma ideia, o país precisa que cada mulher tenha, pelo menos, dois filhos para a reposição de toda a população. Do contrário, a população brasileira começará a diminuir daqui a algumas décadas, gerando falta de trabalhadores em muitas atividades e um enorme e rápido aumento dos gastos com aposentadorias e pensões e dos custos com os sistemas de saúde.

É importante destacar que a associação entre renda sem trabalho e preguiça não atinge as mulheres que vivem de rendas, por exemplo, como aluguéis e pensões de altos servidores públicos e militares.

* Geógrafo, doutorando pelo IPPUR/UFRJ e colaborador do Jornal Diário do Aço. E-mail: [email protected].
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