03 de março, de 2020 | 16:00

Dois lados iguais da mesma moeda

Bady Curi Neto *

O erro da frase é proposital. Temos em regra o ditado “os dois lados opostos da mesma moeda”, que, apesar de ser um objeto unitário, tem faces diferentes. Na semana anterior ao carnaval, o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) e os policiais em greve, amotinados no quartel, modificaram a máxima, transformando-a em “os dois lados iguais da mesma moeda”. Apesar de estarem em posições antagônicas, as duas partes estavam sem razão.

A crise dos policiais e bombeiros militares no Ceará remonta a dezembro de 2019, quando a categoria organizou ato reivindicatório por aumento e melhoria salariais. É importante destacar que a Constituição Federal, no artigo 142, § 3, inciso IV, veda expressamente a sindicalização e a greve aos militares. Acrescente-se ainda que o STF, ao analisar e julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654-432/GO, em repercussão geral – ou seja, decisão erga omnes (que atinge a todos) –, decidiu que “o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública”. Logo, é considerada contra lei, podendo ser configurada como crime de motim e insubordinação, entre outros. Não há, portanto, de se discutir sobre a ilegalidade da greve, paralisação ou qualquer outro nome que queiram usar para amenizar o crime cometido pelos militares.

Do outro lado da moeda, acobertada pelos mesmos erros, foi a atitude do senador Cid Gomes, que, diante do motim bloqueando um batalhão, avisou que, se não saíssem da frente, iria passar com uma retroescavadeira por cima dos amotinados e seus familiares. A ameaça tornou-se real, sendo que ele próprio deu partida no veículo e em seguida dirigiu-se para cima das pessoas, em uma atitude totalmente insana.

Cid Gomes só se conteve ao ser alvejado com uma bala no peito, disparada por um dos amotinados. O que terminou sendo o menor dos problemas, já que a ação era para passar por cima de dezenas de pessoas e o tiro não foi mortal, podendo ser até considerado como ato de legítima defesa de terceiros por parte do atirador. Na sequência, o bravateiro Ciro Gomes, ex-governador do Ceará e irmão do senador alvejado, disse em entrevista: “Lamentei muito não estar lá. Mas Deus me protegeu, porque se estivesse lá, o desfecho talvez fosse pior”.

As atitudes dos policiais e da dupla Cid e Ciro Gomes dão a entender que suas moedas possuem faces iguais, as duas errôneas e ilegais. A época do coronelismo terminou há muito. Se existe motim ou ocupação indevida de quartel, o esvaziamento há de ser realizado pela autoridade competente, mesmo que haja enfrentamento, mas nunca por um senador bancando o herói e jogando uma retroescavadeira por cima das pessoas. Um erro não permite outro, sob pena de os dois lados da moeda terem faces iguais de ilegalidade e arbitrariedade.

* Advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG).
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Comentários

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Tião Aranha

03 de março, 2020 | 16:45

“Nunca pensei que pudesse ver os dois lados da moeda, simultaneamente. Mas vi. Voltemos, então, às capitanias hereditárias: é o nosso destino á vista. Um dia, o mau uso do cachimbo deixou a boca torta; no outro, foi o cachimbo caiu? - Ou será mesmo que foi a casa toda que veio ao chão?
Quem sabe essa casa fora construída em cima da areia movediça, e que nem alicerce tinha?
Toda essa situação deveras mente ter sido criada por políticos irresponsáveis; é o Risco que se corre pela dimensão completa da Instabilidade Política gerada no presente - como sempre tendo políticos à frente, /que colocarão em desequilíbrio crescente e inevitável a manutenção dos Três poderes/.”

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