07 de fevereiro, de 2020 | 16:25

Corte no orçamento da Receita Federal agrava as crises fiscal e na segurança pública

Geraldo Seixas *

“Ao cortar o orçamento da RF, o governo corre o risco de paralisar uma das mais importantes estruturas do Estado brasileiro e agravar crises”

A Receita Federal do Brasil (RFB) sofreu um corte de R$ 1 bilhão no orçamento de 2020. Recursos que vão comprometer atividades realizadas nas 117 Delegacias, 30 Alfândegas, 42 Inspetorias, 327 Agências e 25 Postos de Atendimento. Unidades, inclusive, devem ser fechadas durante o ano prejudicando ainda mais o atendimento aos contribuintes. É importante ressaltar que esse corte não tem relação com salário dos servidores, mas sim com o pagamento de despesas da instituição com a manutenção de sistemas, de instalações, de equipamentos e de outros gastos essenciais ao funcionamento do órgão.

Para 2020, o orçamento previsto da RFB é de R$ 1,8 bilhão, R$ 1 bilhão inferior ao executado em 2019 que foi de R$ 2,8 bilhões. O corte de 36% no orçamento afetará atividades do órgão de Estado, que é responsável por garantir a arrecadação, a segurança e agilidade no fluxo internacional de bens, mercadorias e viajantes, e que também contribui para a melhoria do ambiente de negócios e da competitividade do país. A previsão orçamentária da RFB para o ano está no mesmo patamar de 2007, conforme previsto na Portaria RFB nº 45, de 9 de janeiro de 2020, ou seja, é o mesmo executado pela RFB antes da criação da chamada “Super-Receita” que incorporou a Receita Previdenciária e desconsidera a inflação dos últimos 13 anos que foi superior a 70%.

Os contribuintes serão os mais prejudicados pelos cortes no orçamento da RFB. Até a entrega das declarações do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) pode ser prejudicada pela falta de recursos. O calendário de liberação das restituições do IRPF e das declarações retidas em malha pode não ser cumprido em 2020. Os cortes podem afetar a entrega de outras declarações e o processamento dessas informações. Isso porque a RFB tem caixa para manter o contrato com o Serpro somente até meados de abril. Após essa data, não há garantia para manutenção dos serviços de suporte em tecnologia da informação que são executados pelo Serpro e pela Dataprev. Além de comprometer a entrega das declarações do IRPF, a interrupção desses convênios pode paralisar atividades nas unidades da RFB e afetar a arrecadação de impostos e da contribuição previdenciária.

Os reflexos desse corte poderão comprometer outras políticas públicas. Isso porque os sistemas de cadastro e acompanhamento da RFB servem de base para outras instituições e para a sociedade de forma geral. Prefeituras podem ser prejudicadas pela paralisação de sistemas da RFB e serem impedidas de realizar licitações e até mesmo de receber repasses do Fundo de Participação dos Municípios. A falta de recursos também compromete o desenvolvimento de sistemas, que contribui para tornar mais simples e eficiente o atendimento das obrigações tributárias e vai dificultar a formalização e a regularização fiscal de empresas.

O quadro se agrava ainda mais quando se percebe que, além de não poder mais investir em soluções tecnológicas por falta de recursos, diversas unidades da Receita Federal serão fechadas, trazendo sérios prejuízos aos contribuintes no cumprimento de suas obrigações, principalmente porque nem todos os serviços executados pela RFB podem ou estão disponíveis na internet, e aqueles que vivem em cidades menores serão obrigados a se locomover até centros maiores para ter acesso a esses serviços. Com menos servidores, o atendimento nas unidades será comprometido e o tempo para liberação de certidões vai aumentar, gerando prejuízos para empresas e cidadãos.

Nos aeroportos, a redução de plantões e no efetivo de servidores vai tornar mais lenta a liberação de passageiros e de suas bagagens. Nos portos, o prazo para liberação de importações e exportações também pode ser afetado gerando prejuízos ao comércio exterior, com a elevação dos custos de importação e exportação.

A atuação das equipes de arrecadação, de cobrança, de fiscalização e de julgamento também está ameaçada pelos cortes no orçamento da instituição. O trabalho desses servidores foi fundamental para o resultado da arrecadação federal que, mesmo no cenário de crise, atingiu, no acumulado de janeiro a dezembro de 2019, R$ 1,5 trilhão, representando um aumento de 1,69% em comparação ao mesmo período do ano anterior.

A atuação dos servidores da Receita Federal também teve um importante impacto para a segurança pública. As ações de controle aduaneiro resultaram na apreensão de 57,15 toneladas de cocaína no ano passado.

Sem orçamento, até o trabalho de recuperação de créditos tributários realizado pela Receita Federal e que pode contribuir para o enfrentamento da crise fiscal será comprometido.

De fato, o país enfrenta uma grave crise fiscal, assim como uma crise de segurança pública e uma onda de violência que atinge a todos. Mas, ao cortar o orçamento da Receita Federal em R$ 1 bilhão, o governo corre o risco de paralisar uma das mais importantes estruturas do Estado brasileiro e agravar as crises. Sem orçamento, a Receita Federal pode não conseguir atingir as metas de arrecadação, reduzindo ainda mais os recursos disponíveis para manutenção das políticas públicas que são essenciais a toda a sociedade. Sem orçamento, a Receita Federal corre o risco de interromper o histórico crescente de apreensões de drogas, armas, munições e de contrabando que financiam o crime organizado.

Cortar R$ 1 bilhão do orçamento da Receita Federal pode custar bilhões em perda de arrecadação e agravar as crises econômica, fiscal e de segurança pública. Cortar o orçamento da Receita Federal e paralisar uma das mais importantes instituições do Estado brasileiro só interessa aos sonegadores de impostos e ao crime organizado.

* Presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita)
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